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Grupos resgatam as raízes negras por meio dos tambores e da dança

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A Tamborada / Foto: Maurício Polidori

Não há como falar sobre Pelotas sem evidenciar a contribuição, a força de trabalho escravizada e a herança cultural do povo negro. A ancestralidade africana está presente nas mais diversas formas de organização política, econômica, simbólica e cultural, e não é por acaso que foi declarada, em 2018, como a “Cidade do Tambor de Sopapo” - instrumento desenvolvido durante o período das charqueadas pelos escravos, confeccionado com casca de árvore e couro de cavalo. 


Se depender da ONG Odara e do projeto Tamborada, esse legado jamais será esquecido e a cultura afro-gaúcha será perpetuada por muitas gerações. Conhecidos como duas expressões do tambor, ambos os grupos têm o mesmo objetivo: o resgate das raízes negras. 


Tamborada

A Tamborada, criada pelo artista gaúcho, compositor, pesquisador e produtor cultural, Kako Xavier, tem resgatado, ao longo de 11 anos, a história e a música dos negros litorâneos do estado, bem como do Sopapo. Conforme destaca, ela busca mostrar, através do instrumento tambor, a presença da etnia negra, povo escravizado que construiu o Rio Grande do Sul. 


Segundo Kako, os negros saem do continente africano num processo de esquecimento das suas origens e, quando chegam ao sul do Brasil, o responsáel por fazer essa conexão é o tambor. Nesse sentido, a Tamborada faz com que pessoas negras e não negras comecem a refletir sobre as conquistas e as tradições. “Para isso, nada melhor do que se apropriar, da forma devida, desta cultura e transmitir para as novas gerações este aprendizado, da importância do costume, da alegria, da resistência, da força, da maturidade, da beleza, tudo isso que nós entendemos que o povo negro representa para o Rio Grande do Sul, para o nosso país e para fora do país também”. 


O projeto possui integrantes que até então não tinham contato com a música profissionalmente, e tudo nele é autoral, desde a criação dos tambores, das músicas, do jeito de cantar. São 62 pessoas de diferentes idades, gêneros, etnias e olhares. 


A ideia começou, de acordo com Kako, enquanto realizava uma pesquisa no litoral norte do RS, em uma comunidade quilombola existente há mais de 200 anos na cidade de Osório, chamada Maçambique. Após, sentiu a necessidade de levar o projeto adiante e em uma proporção maior. Com a sua volta a Pelotas, decidiu dar continuidade, porém com um viés mais cultural. A partir de então, tornou-se necessário um espaço onde pudesse realizar oficinas e encontros. Foi assim que surgiu a Casa do Tambor, localizada no Laranjal, no mesmo terreno em que vive o artista, onde as pessoas se reúnem para tocar, dançar e cantar.


Como o interesse foi grande, foi formado um bloco de carnaval para que todos pudessem participar. Novos tambores foram construídos e, depois do carnaval de 2018, foi estabelecido um encontro mensal do bloco na Casa. 


Odara

A ONG Odara - Centro de Ação Social, Cultural e Educacional une a dança afro e a percussão há 20 anos na cidade de Pelotas. Quem conta um pouco da história é Dilermando Freitas, mestre Griô, graduado em Licenciatura em Educação Física, um dos fundadores da ONG e luthier do tambor de Sopapo. 


O grupo nasceu de outro projeto, o Cabobu. Festival idealizado e executado pelo compositor, percussionista e agitador, mestre Giba Giba, no ano 2000, que reuniu grupos de música e dança populares da região e alguns dos principais nomes da percussão nacional, como Naná Vasconcelos e Djalma Correa, e apresentou para a sociedade gaúcha que existe uma cultura negra rica e plural no estado. O Sopapo foi o centro dessa iniciativa. 


“Então, a gente começou a ter a ideia de um grupo de dança afro a partir do Cabobu, um projeto super importante que veio para resgatar o tambor de Sopapo. O Giba Giba foi muito feliz com essa iniciativa porque, quando chegava em Pelotas, ele sempre dizia que estava em extinção a matriz cultural do negro na cidade, que o tambor Sopapo já não tinha mais aquela presença que tinha nos carnavais”, conta Freitas. 


Conforme explica, o Odara vai além da dança, ele busca valorizar a cultura negra e discutir as políticas públicas em relação ao racismo. Além disso, Dilermando enfatiza que até hoje a ONG é composta, em sua maioria, por mulheres negras e brancas. “Como nós somos um grupo expressivo de mulheres, nós chamamos essas mulheres para discussões, por tudo que elas representam para a humanidade. São as mulheres que comandam e sempre comandaram o Odara”, frisa. 


Pesquisa 

A relevância desses dois grupos despertou a atenção de Desirée Salles, cantora, educadora musical e graduanda da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) no curso de Licenciatura em Música. A carioca, ao chegar em Pelotas, se deparou com uma expressiva presença negra, maior do que imaginava, e por isso voltou seu olhar para a cultura afro da cidade, “principalmente para os fazeres musicais desse povo”, conforme relata. 


A quebra na expectativa de um lugar que imaginava ser predominantemente branco a  estimulou a iniciar uma pesquisa. Ambos os grupos viraram, então, seus objetos de estudo. “Quando eu chego em Pelotas eu começo a perceber o movimento cultural que acontece na cidade, o que me chamou muita atenção”. 


E foi por meio do Projeto de Extensão em Percussão da Universidade, o Pepeu, que  conheceu a Tamborada, da qual participa como cantora e percussionista. “Encontrando com a Tamborada e percebendo também o movimento que a ONG Odara tinha, que são dois grupos que eu vejo como representativos na luta de levar a cultura negra para frente e não deixar ser esquecida, eu achei que seria muito importante trazer isso para a Universidade, que é um espaço majoritariamente branco com raízes completamente colonizadoras”, aponta. 


Na sua pesquisa, ela explica que busca abordar tanto a história do Kako quanto do Dilermando, figuras importantes nos dois grupos, para trazer à literalidade a cultura do povo negro em Pelotas, os fazeres, o que esses indivíduos significam para a cidade e como a têm transformado. “Para que se inicie esse movimento de mostrar que, sim, a cultura oral é tão válida quanto a cultura científica, e que existem ciências e saberes que são tão variados quanto os saberes acadêmicos. Para isso, é necessária a pesquisa. Dar voz para que essas pessoas contem as histórias que precisam estar dentro da Universidade também”. 


No seu estudo, Desirée também trata do tambor de Sopapo, o qual define tanto como objeto representativo de luta e resistência quanto para relembrar de que forma era utilizado em rituais. “Mesmo estando escravizado, o povo negro usava do tambor e da percussão para se conectar com a sua cultura e com os seus deuses. (...) O tambor significa isso, essa ressignificação de algo que outrora era dor e agora é transformado em festa, mas também é a resistência de continuar aí e levando essa cultura à frente”. 


Reinvenção 

Com a pandemia, ambos os grupos tiveram que se reinventar. Para manterem-se ativos, Kako conta que foi realizado o projeto “ Tamborada em Quarentena”,  programa de webtv criado para mostrar os bastidores do grupo e sua história. Além disso, juntamente a mais de 60 profissionais do segmento artístico e cultural, produziram o Salve Arte Festival, transmitido da Casa do Tambor e construído para promover o intercâmbio entre artistas de diversos lugares e contribuir para o fortalecimento da cena cultural.


“A Tamborada, de certa forma, eu sinto como o vigilante. É o projeto que dá carinho e que cede o seu espaço para que outros artistas enfrentem [a pandemia] de uma forma mais coletiva e unida. A gente vem driblando a pandemia já há mais de um ano, e a Tamborada está sempre com o lema: ‘vai chegar a hora que a gente vai se abraçar de novo’. A gente tem essa expectativa e se alimenta dela”, salienta. 

O Salve Arte foi realizado com recursos da Lei Aldir Blanc, através do Ministério do Turismo, Secretaria Especial da Cultura e Sedac/RS, contemplando 224 artistas e ajudando 400 trabalhadores do ramo.  


Enquanto isso, a ONG Odara também teve de se adaptar e passou a realizar oficinas de dança através de lives. “Não tem como ser diferente hoje. A gente estava a todo vapor antes da pandemia e teve que se reinventar como a gente sempre se reinventou. A gente não deixa esmorecer o trabalho porque traz essa força e essa resistência que a gente tem”, revela Dilermando Freitas.


Este texto foi publicado na sexta edição do jornal Voz Docente de 2021 (leia aqui) e resultou da entrevista que integrou a 88ª edição do podcast semanal da ADUFPel, o Viração (ouça aqui). 


Saiba mais sobre os projetos Tamborada (aqui) e Odara (aqui). 


Assessoria ADUFPel


Fotos: Maurício Polidori, Eurico Salis, Divulgação Odara e Paula de Oliveira

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