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A arte não pode parar: Tholl se reinventa na pandemia

Texto publicado na última edição do Jornal Voz Docente.


A pandemia atingiu em cheio o setor cultural brasileiro, sendo um dos que mais sofreram com o impacto das restrições impostas pelo novo coronavírus, que impossibilitaram a realização de projetos, dificultaram a manutenção de postos de trabalho e a garantia de renda daqueles que vivem da arte. 


Neste cenário, as artes cênicas foram as mais afetadas, com perda total de receita para 63% dos profissionais, segundo levantamento da Unesco, afetando a maioria dos artistas que atuam na área de circo (77%), em casas de espetáculo (73%) e no teatro (70%). 


Se antes a cultura já sofria com falta de investimentos e tentativas de desmonte, a situação tornou-se crítica a partir de 2020. Devido às restrições e ao contato com o público reduzido, a alternativa foi pensar em maneiras de se adaptar à nova realidade. 


Com a criatividade inerente de todo artista, o Tholl foi um dos que se reinventou. A trupe circense de Pelotas e Patrimônio Cultural do Estado do Rio Grande do Sul - após ter ficado cinco meses sem se apresentar ao público no início do ano passado - driblou as dificuldades e se reorganizou para continuar levando arte e magia à população. 


O grupo passou a realizar lives e shows em drive-in, seguindo todos os protocolos de segurança. O aplauso caloroso da plateia se transformou em buzinas e faróis piscando, conforme relata o diretor do Grupo Tholl - OPTC (Oficina Permanente de Técnicas Circenses), João Bachilli. O contato mais próximo de um público que os artistas têm atualmente é com a equipe técnica, nos bastidores. 


João agradece por ter a oportunidade de continuar trabalhando, mas salienta que a interação com os espectadores faz muita falta. “É muito legal, mas não tem o respirar junto, sentir a plateia pertinho de ti, reagindo a tudo que acontece no palco. (...) É nessa tristeza que a gente fica, de olhar um teatro e não poder estar lá naquele palco. O Tholl é contato.”


Cuidados têm sido rigorosos

A organização de eventos como estes, segundo Bachilli, é até mesmo mais exaustiva pela necessidade de cuidados sanitários, fundamentais neste momento. “A gente tem que estar antenado, ligado. O nosso elenco é muito jovem e são pessoas extremamente afetivas. E a gente tem que estar sempre em um controle muito grande com eles”. 


No caso do Tholl, é fundamental que as cerca de 90 pessoas que fazem parte do grupo mantenham-se ativas, por usarem o corpo como instrumento de trabalho e por serem artistas de alta performance. Por isso, um sistema de ensaios por cenas foi elaborado e tem dado certo até então. 


Para poderem estar juntos, o diretor conta que todos estão mais que isolados, isto é, “ilhados” em suas residências, brinca. O único trajeto que fazem é de suas casas ao Centro de Treinamento. Essa esquematização e o cuidado redobrado têm garantido, até o momento, a segurança dos integrantes.


Além do isolamento rígido, o uso de máscaras também tem sido obrigatório durante ensaios e apresentações em conjunto. “Eles trabalham aeróbico, exercícios, acrobacias, e com máscara é muito difícil, mas eles são muito guerreiros e estão conseguindo. Os primeiros dias foram muito difíceis.” Bachilli ainda enfatiza:  “A gente acredita muito na ciência e é totalmente contra os charlatanismos, os achismos. A gente faz o que a ciência diz que é para fazer”. 


Rede de apoio

A intensidade do trabalho reduziu, mas a união do grupo permanece tão forte quanto antes. Além de apoiar-se entre si em momentos de dificuldades, a trupe circense também organizou um Festival Solidário no dia 13 de junho para ajudar outros artistas do município. A ação, em formato de drive-thru, marcou o encerramento do 3º Festival de Circo de Pelotas, que acontecia online desde o dia 18 de maio. 


Diante das incertezas que rondam o setor cultural de todo o país e das adversidades enfrentadas pelas pessoas que integram esse segmento, foram arrecadados alimentos não perecíveis, leite e cobertores para doar a artistas locais (atores, músicos e até mesmo aqueles que estão nos bastidores) e moradores da região da Balsa. De acordo com o Mapa Cultural de Pelotas, a cidade conta com pelo menos 950 artistas registrados, sem considerar aqueles que não possuem cadastro na Prefeitura. 


Trabalho constante 

Os projetos do Tholl não param. São eles, os espetáculos, apoiadores e associados que mantêm o grupo durante a pandemia, ou seja, com frutos do seu próprio trabalho. A trupe também foi contemplada pela Lei Aldir Blanc, do Governo do Estado. 


Há pouco tempo, durante o Festival de Circo, organizou oficinas online para multiplicadores, pois, conforme explica Bachilli, o aprendizado e a evolução precisam continuar. Delas, participaram professores de altíssimo nível, como do Cirque du Soleil e da Escola Nacional de Circo.

 

O grupo está sempre pensando no futuro e tem articulado, também, desde antes da pandemia, um projeto que objetiva ofertar aulas para um número grande de crianças, propiciando o ensino de diversas modalidades de circo e culminando em uma apresentação. “Estamos aguardando que flexibilize mais e tenhamos condições para realizar esse projeto lindo”, confidencia o diretor. 


João também conta que estão planejando a montagem de um espetáculo chamado “Kaiumá, a fronteira”, guardado a sete chaves há muito tempo. O número irá tratar de preservação ambiental e ecologia, e para a montagem serão utilizadas lendas indígenas como pano de fundo. Segundo ele, “é um grito de alerta de como a natureza e cada ser vivo é importante para a nossa própria existência”. A expectativa é de que possam anunciar em setembro a data de estreia, se a situação do país permitir.


Ataques à cultura 

Não é de hoje que a cultura tem sido alvo de diversos ataques, mas no governo Bolsonaro isso intensificou-se, a começar pela extinção do Ministério da Cultura em 2 de janeiro de 2019, transformando-o em uma Secretaria subordinada ao Ministério da Economia. 


As constantes tentativas de desmonte são vistas com indignação por Bachilli, que a utiliza como instrumento para o fortalecimento da resistência. “Nunca vão conseguir [acabar com a cultura] porque ela só se fortalece com tudo isso. Ela é o combustível para a gente vir com mais força ainda, com novas ideias e com poder crítico, que é o que assusta esse pessoal. A cultura mete medo, a arte mete medo, porque faz pensar, faz refletir.” 


O Tholl, nos seus 20 anos de trajetória, passou por muitos governos e sentiu diretamente cada mudança em relação à gestão do setor de entretenimento ao longo dos anos. E, de acordo com João, a situação começou a decair no governo Temer, culminando, agora, no que ele pensa ser “uma falta de respeito, um absurdo”. 


Não bastando as reduções de verbas para a pasta de cultura, o governo tem trabalhado para criminalizar o artista, sem considerar os benefícios à economia e o sustento a muitas famílias.

 

“Cultura não é lazer para quem faz, é trabalho. É que é tão gostoso, tão prazeroso, que acaba aparecendo, mas não é. É porque a gente faz com amor, tendo ou não dinheiro. É isso que difere, mas é um trabalho como qualquer outro. Teve, em uma época, uma crítica ferrenha de um segmento aqui de Pelotas, que dizia que não gostava do grupo porque o Tholl ganha dinheiro. Mas as pessoas vão se vestir, comer e pagar o aluguel com o quê? Com amor? Mas com o tempo isso foi se desmistificando”. 


Uma melhoria no cenário, conforme aponta, virá somente quando houver um governo que respeite a cultura e a arte de forma digna. “A arte gera muito trabalho. Se não me engano, o entretenimento, em geral e seus segmentos, é o terceiro maior gerador de empregos. Por trás de uma produção, o que a gente contrata de gente, gera trabalho para pessoas de vários segmentos quando vai montar um espetáculo, é muito grande. Quando tiver o respeito que precisa ter, vai melhorar de novo, mas a cultura nunca vai acabar, porque sempre vai ter um espaço onde o artista vai se manifestar”. 


Assessoria ADUFPel 


Fotos: Juliano Kirinus 




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