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Notícia

Abolição da escravatura: 130 anos de reivindicação

Em 13 maio, completam-se 130 anos da lei da abolição da escravatura. Assinada em 1888, a Lei Áurea finalizava o gradual processo de término da escravidão, mas jogava à própria sorte milhares de negras e negros até então escravizados. Da Lei Eusébio de Queirós, que em 1850 proibia o tráfico negreiro, passando pela Lei do Ventre Livre em 1871, Lei dos Sexagenários em 1885, até chegar na Lei Áurea, em 1888, o processo de abolição foi lento e resultante de pressões econômicas e sociais. Se, por um lado, as elites econômicas buscavam retardar a perda de mão-de-obra gratuita, negros e negras intensificavam atos de insubordinação contra o regime, dando sinais que não mais tolerariam a exploração à qual estavam submetidos.


De lá para cá, muito mudou, no entanto a carência de políticas de reparação aos africanos trazidos para o Brasil e aos afrodescendentes perpetua ainda hoje números de disparidade e vulnerabilidade social. Das políticas de embranquecimento da população ao mito da democracia racial, o Estado e a intelectualidade falharam ao atrelar o desenvolvimento do país e a identidade nacional à europeização de costumes e à visão de inexistência de conflitos e hierarquizações relacionadas à raça.


Esta visão, corrente ao menos até a primeira metade do século XX, também pode ter produzido um mascaramento do racismo como elemento estrutural da desigualdade social e como um problema atrelado às instituições e à cultura brasileiras. E, dessa forma, como um problema a ser enfrentado e combatido.


Discriminação: resistências e avanços

A discriminação racial segue produzindo números assombrosos, como o divulgado pelo Atlas da Violência de 2017. A publicação indica que a cada 100 pessoas mortas por homicídio no Brasil, 71 são negras. Mulheres negras têm o dobro de chances de serem mortas no Estado, segundo o Dossiê Mulher 2018. Outros índices também refletem a desigualdade como elemento atrelado à raça: as informações sobre rendimentos apontam negros ganhando 57% da renda dos brancos, situação que se reproduz de forma similar entre a população graduada. Mesmo com a mesma titulação, negros e negras recebem cerca de 53% a menos, e constituem a maioria entre os mais miseráveis no país.


Mas, se os avanços são tímidos, é necessário pontuar que são fruto do protagonismo de população negra na luta pela valorização da cultura africana e afrodescendente e pela redução do abismo racial no acesso a oportunidades. O racismo como crime inafiançável e a valorização positiva da identidade negra são algumas das conquistas do movimento negro, que também vem trabalhando no sentido de evidenciar e subverter estereotipações e representações negativas de negras e negros na mídia, nas artes e nas mais variadas áreas.


Na área de educação, a política de cotas étnico-raciais nas instituições públicas de ensino superior é uma das vitórias obtidas. A implantação das cotas refletiu no aumento de 16,7% dos alunos negros ou pardos em universidades (2004) para 45,5% (2014), ampliando o acesso à qualificação. De 2012, quando a reserva de vagas consolidou-se na Lei 12.711, até 2015, ingressaram 150 mil estudantes negros, pardos e indígenas no ensino superior.


Cotas na UFPel

A UFPel foi a última universidade do Rio Grande do Sul a adotar as cotas. A implementação aconteceu no ano de 2013, com 40% de reserva de vagas distribuídas para estudantes de ensino público. No ano de 2014, o percentual passou para 50%. Desta porcentagem, 16,5% eram destinadas a estudantes autodeclarados negros e indígenas. Hoje, este valor, que é fixado pelo censo do Insituto Brasileito de Geografia e Estatística (IBGE), é de 18,1%.


Em 2013, segundo dados do Relatório Consolidado da UFPel, havia 17.132 estudantes no primeiro semestre. Destes, 936 matricularam-se através das cotas, sendo apenas 106 por cotas étnico-raciais. O índice cai para 85 no segundo semestre, assinalando provável evasão de 21 estudantes.


Os números, de 2013 a 2017, mudam bastante. Em 2017, de acordo com dados da Coordenação de Processos e Informações Institucionais (CPI) da UFPel, foram efetivadas, através de cotas raciais, 725 matrículas, representando um aumento de cerca de 600% do total de estudantes que ingressaram na Universidade através desta modalidade, em comparação com 2013.




A tabela apresentada acima, elaborada pela CPI, mostra a quantidade de vagas ofertadas, de 2014 a 2018 (em 2018, o número é menor pois ainda não foram contabilizadas as vagas que serão ofertadas no segundo semestre). É expressivo o aumento de estudantes negros, negras e indígenas na Universidade. Entretanto, sobram vagas nesta modalidade, que acabam migrando para outros tipos de cotas ou para ampla concorrência. A Coordenação de Registros Acadêmicos da UFPel aponta que isso ocorre em decorrência de falta de inscritos ou não comparecimento na matrícula. Já o estudante do curso de Licenciatura em História José Resende, que ingressou na UFPel em 2015 através das cotas étnico-raciais e ensino público, indica outros motivos: "a branquitude faz com que esse sistema não seja efetivo e faz com que as pessoas não ocupem as vagas de cotas. Isso acontece por dois motivos: devido às fraudes e pela falta de acesso à informação em saber que podem ocupar essas vagas".


O estudante  integrou o projeto de extensão "Cotas: um diálogo afirmativo entre a universidade e a escola", que circulava por escolas públicas de Pelotas e região levando informações sobre a Lei nº 12.711/2012, das cotas, e observou que existe um grande desconhecimento sobre o funcionamento da reserva de vagas, o que por vezes acaba afastando muitos jovens do ensino superior.


Resende também aponta que, além das cotas, é preciso ter em conta a relevância das políticas de permanência para que estudantes concluam os curso. "Se tu queres que as pessoas entrem e continuem, se está preocupado com as pessoas e não só com os dados, é preciso investir nisso. Que sentido faz colocar uma cota sem pensar permanência?", indaga. Outro problema colocado por ele é o distanciamento das instituições de ensino da realidade dos estudantes negros e pobres. "A universidade fala uma linguagem diferente do estudante cotista, seja qual ele for, seja pobre, preto, ela não fala essa linguagem", analisa.


O estudante conta que nos dois primeiros anos do curso também trabalhava e não raro chegava atrasado nas aulas. "Eu trabalhava no Py Crespo, que é bem longe do ICH. Eu tinha que sair às 6 horas [para o trabalho] e saía do meu emprego às 19h, mas às vezes saía às 20h, 21h. Aí chegava na sala de aula e tinha uma rejeição dos professores, não de todos, na História é a minoria até porque é um curso noturno. Mas foi uma grande dificuldade". Por conta disso, largou o emprego e continuou a estudar, por incentivo e através de ajuda da família. "Pensei em sair da faculdade, em desistir e seguir trabalhando porque teria meu dinheiro e minha autonomia. Para mim era o caminho mais fácil e que eu via as pessoas iguais a mim seguir", conta. O estudante também lembra que muitos colegas não têm o mesmo suporte e acabam desistindo da graduação.


Em relação à evasão na UFPel, não há dados sistematizados, tampouco há uma política de permanência voltada a cotistas na instituição. Sobre este tema, a CPI informa que "a Pró-Reitoria de Ensino (PRE) está desenvolvendo um projeto que abordará diversas atividades institucionais com o objetivo de diminuir a os índices de abandono nos cursos da UFPel. O projeto consiste na constituição de uma base de dados a partir da qual será possível estabelecer análises e interpretações para a proposição de ações para a solução do problema, monitoradas pela PRE. O projeto será voltado a todos os alunos da UFPel, não apenas cotistas".


Pensar as políticas de permanência, nesse sentido, é um desafio fundamental para que as cotas no ensino sejam efetivas e, dessa forma, possam contribuir para a reparação dos danos históricos causados ao povo negro no Brasil e para a transformação do caráter predominantemente elitizado e branco das instituições de ensino superior no país.


Ações afirmativas: é preciso avançar

Além das cotas no ensino superior, destacam-se outras políticas de ações afirmativas reivindicadas pelo movimento negro. Entre elas, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em 2006 e sobre a qual ainda hoje se luta por um comprometimento dos municípios e estados para a efetiva implementação.


No campo da política, do trabalho, da juventude, das mulheres e outros tantos, são poucas as ações efetivadas. Reflexo de um imobilismo do Estado brasileiro que traficou e escravizou cerca 5 milhões de africanos trazidos ao Brasil, além dos seus descendentes. Esse mesmo Estado, além de nunca ter se assumido como criminoso pelos crimes de tráfico e escravidão, foi o último a abolir a escravidão nas Américas e só começou a discutir os formatos de reparação aos povos escravizados no fim do século XX, por pressão do movimento negro.


Neste 13 de maio de 2018, portanto, atos chamados por diversos coletivos do movimento ocorrerão pelo país, cobrando ações compensatórias e de reparação.


A escritora Conceição Evaristo, em entrevista ao Sul21, lembra da importância desta luta, afirmando que devemos lembrar o 13 de maio de 2018 não como forma de celebração, mas como referência a estes 130 de reivindicação. E afirma: "Nada que a nação brasileira oferecer aos povos que ela colonizou é presente [...] O momento é de cobrar a efetivação do que a gente propôs".


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