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Atriz com transtornos mentais vence Prêmio Braskem de Teatro com obra sobre luta antimanicomial

A atriz baiana Helisleide Bomfim venceu recentemente o Prêmio Braskem de Teatro na categoria Atriz Revelação por conta de sua atuação em Holocausto Brasileiro - Prontuário da Razão Degenerada. A peça, de Diego Araújo, em colaboração com Bárbara Pessoa, é inspirada no livro homônimo, que relata os horrores vividos pelos pacientes psiquiátricos do Hospital Colônia de Barbacena (MG).


A própria Helisleide sabe bem como é viver dentro de manicômios e de instituições psiquiátricas. Técnica de enfermagem, ela adoeceu mentalmente após dar à luz a seus filhos e foi internada por sete vezes. “Eu não aceitava o tratamento e nem a medicação. Depois de quatro anos, tive alta e voltei a trabalhar. Quando tive outro filho, voltei a adoecer. Só consegui estabelecer meu autocuidado através do teatro”, conta. “O teatro ressignificou minha vida. Era o remédio que me faltava para aceitar o tratamento. A luta antimanicomial é maravilhosa e sem ela eu nunca teria o equilíbrio que atingi hoje”, completa. 


Desde 2010, a atriz faz parte da companhia Insênicos, criada dentro dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) a partir de um convite recebido pela Associação Metamorfose Ambulante (AME), da qual Helisleide foi presidente por quatro anos. “ A AME é importante porque dá protagonismo ao usuário. Me possibilitou sair do manicômio e estar no mundo”, afirma. 


Os atores e atrizes do Insênicos foram convidados para fazer testes e participar de Holocausto Brasileiro no ano passado. Helisleide foi uma das escolhidas para o elenco da peça, que chegou a fazer 12 espetáculos com bilheteria esgotada antes do início da pandemia de Covid-19. 


Premiada à distância por conta do vírus, a atriz conta que não se viu como vencedora quando a ficha caiu, mas sim todos os brasileiros que já tiveram suas vidas afetadas pela internação compulsória em manicômios. “Vi as mais de 60 mil pessoas torturadas, estigmatizadas, cujos corpos foram vendidos para universidades. Senti a liberdade de expressão de todas as pessoas que já estiveram presas, como eu. Lugar de louco é ocupando os espaços”, afirma Helisleide Bomfim. 


Trem de Doido

Noite azul, pedra e chão

Amigos num hotel

Muito além do céu

Nada a temer, nada a conquistar

Depois que este trem começa a andar, andar

Deixando pelo chão os ratos mortos na praça

Do mercado

Quero estar onde estão

Os sonhos desse hotel

Muito além do céu

Nada a temer, nada a combinar

Na hora de achar o meu lugar no trem

E não sentir pavor dos ratos soltos na praça

Minha casa

Não precisa ir muito além dessa estrada

Os ratos não sabem morrer na calçada

É hora de você achar o trem

E não sentir pavor dos ratos soltos na casa

Sua casa


A canção Trem de Doido, de Lô Borges (Clube da Esquina, 1972), retratava de maneira tristemente poética o caminho que dezenas de milhares de brasileiros foram forçados a fazer no século passado, rumo à internação compulsória no Hospital Colônia de Barbacena, instituição psiquiátrica localizada no interior de Minas Gerais. 


Décadas depois da obra-prima da música mineira, a jornalista Daniela Arbex voltou a colocar a cidade de Barbacena no centro dos debates da luta antimanicomial brasileira. Em 2013, ela publicou o livro reportagem Holocausto Brasileiro, com o qual apresentou relatos e dados chocantes sobre o Hospital Colônia.


O manicômio, fundado em 1903, assassinou 60 mil pessoas e chegou a arrecadar pelo menos 600 mil reais com a venda de corpos. A instituição foi classificada como “um campo de concentração nazista” pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia. Em grandes vagões de carga, conhecidos como "Trem de Doido", chegavam os pacientes do Hospital Colônia. Para lá, eram enviados "pessoas não agradáveis", como opositores políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos, etc. Estima-se que cerca de 70% dos pacientes não tinham diagnóstico de qualquer tipo de doença mental.


Atualmente, 190 pacientes do Colônia em situação de baixa sobrevida, são tratados no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena. Após o fechamento, seus pouquíssimos sobreviventes foram transferidos para abrigos de melhores condições e por direito, passaram a receber indenização do Estado.


A peça de teatro

Na peça de teatro, a obra de Daniela Arbex é adaptada para retratar o manicômio e centros psiquiátricos em afro-perspectiva. Através de uma estrutura documental e meta-documental, um grupo de artistas documentaristas decide entender os fatores que levaram uma população de mais de 70% de pessoas negras e não-brancas a ser internada no Hospital Colônia. A análise se apoia na produção "O Diagnóstico Moral dos Pacientes Psiquiátricos". 


Segundo a sinopse da peça, o genocídio mineiro não é um caso isolado. “O uso da saúde mental como argumento moral para a segregação e o impedimento da vida tem muitos rastros e se mantém cotidiano, abatendo-se principalmente sobre a população negra, que inclusive representava 70% dos internos de Barbacena”. E é com esta perspectiva que a peça de teatro se propõe a analisar o manicômio e os centros psiquiátricos, debatendo o adoecimento do sistema social, a loucura, o estigma e o recorrente racismo.


Matéria originalmente publicada no Jornal Voz Docente


Assessoria ADUFPel com imagens de Shai Andrade/Divulgação

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