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Brasil: O desamparo e o desgoverno após um ano de pandemia

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Foto - Gettyimages

A primeira morte oficialmente registrada de Covid-19 no Brasil ocorreu em 12 de março de 2020. A informação, no entanto, só foi conhecida em junho daquele ano, quando o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde reviu os dados anteriores que registravam um óbito ocorrido dias depois como o marco inicial. O caso serve de metonímia para uma série de situações experimentadas no Brasil ao longo deste primeiro ano convivendo com a pandemia, e em especial a mais grave: dúvidas quanto aos dados oficiais.


Com mais de 350 mil mortos ao longo de pouco mais de 12 meses, e uma média diária de 2,2 mil óbitos na última semana de março, o temor é que os dados já surpreendentes estejam mascarados pela subnotificação. Em análise publicada no seu boletim, a Fiocruz informa que de 2020 até 20 de fevereiro de 2021 foram quase 190 mil mortos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) – diagnóstico clínico que reúne sintomas graves de infecções virais. Algo suspeito, uma vez que em 2019, os óbitos foram de apenas 5 mil. Na estimativa da fundação, cerca de 135 mil pessoas que faleceram devido à SRAG morreram, na verdade, de Covid-19.


Por certo que não se morre apenas de coronavírus no Brasil, como criticou o presidente em 18 de março, mas a pior das mortes é a causada pela negligência. A crise sanitária se agravou ao ponto em que municípios assistiram seu sistema de saúde colapsar, com leitos de UTI – que já haviam sido dobrados desde o início da pandemia – ultrapassando a ocupação máxima. No RS, a oscilação nos últimos dias têm sido de 110%. Diante do caos, o medo que se agrava é precisar de atendimento por qualquer outro motivo e não conseguir justamente pelos avanços da pandemia.


Em agosto do ano passado, ofício do Conselho Nacional de Saúde mostrou que o governo federal cancelou a compra de medicamentos necessários para o chamado “kit intubação”, necessário para o tratamento de pessoas na UTI. Sob a ameaça de desabastecimento medicamentoso, o Brasil caminha em direção ao vivido no Paraguai, onde uma incapacidade administrativa semelhante deixou as Unidades de Tratamento Intensivo sem remédio, ao ponto em que foi preciso comprá-los a preços altíssimos de última hora.


No país vizinho, isso foi um dos motivos que levou a população às ruas e resultou na queda do ministro da saúde. No Brasil, no período mais crítico da pandemia, seguimos sem Ministro. O médico Marcelo Queiroga, se assumir, será o quarto a ocupar a pauta. Os dois primeiros, Henrique Mandetta e Nelson Teich, ambos médicos, saíram por não se alinharem completamente à estratégia bolsonarista de recusar qualquer tipo de lockdown. O militar Eduardo Pazuello, que assumiu interinamente, deixou o cargo em uma negociata fracassada com o “Centrão”. Morte e vida dos brasileiros viraram moedas de troca na mão dos políticos.


Prevenção?

Se não há Kit intubação, sobra o alardeado “kit covid”, para o “tratamento precoce” contra a doença. Indicado pelo governo federal, medicamentos como a Ivermectina (usada no tratamento da malária e contra piolhos) e a Azitromicina não possuem efeitos comprovados no combate ao coronavírus. Pelo contrário, seu uso continuado pode causar arritmia cardíaca, sangramento e inflamação no fígado – aumentando os casos de mortalidade.


Sem a vacina como possibilidade em 2020, Bolsonaro investiu nos medicamentos como placebos; esperanças materializadas. Quem recusava o tratamento tornavam-se os inimigos do povo, impedindo-os de obter a cura prometida. Ao mesmo tempo, com as pílulas alçadas ao status de cura milagrosa – contrariamente ao que dizia a ciência, fundamentada apenas pela crença – abre-se espaço para todo tipo de negociata escusa.


Incitado pelo governo, o Exército brasileiro produziu em seus laboratórios 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina, pagando três vezes o preço nos insumos. A justificativa enviada ao Tribunal de Contas da União em dezembro passado foi a de que era preciso “produzir esperança para corações aflitos”. Outro exemplo é o que ocorreu na Assembleia de Santa Catarina, em que 1200 caixas do “kit” foram adquiridas sem licitação no dia 10 de março deste ano. Dar a impressão de fazer algo parece ser mais importante do que realmente tomar medidas efetivas.


Em março de 2021, uma médica em Camaquã/RS foi demitida por fazer nebulização com hidroxicloroquina em pacientes. O tratamento não tem respaldo no Brasil e a forma como foi conduzido expôs outros internos ao vírus. Ainda assim, Bolsonaro pediu para entrar ao vivo numa rádio local para defendê-la. Ou, mais do que isso, para levantar suspeitas contra as vacinas.


"Sabemos que a vacina é um custo bilionário para o mundo todo. E parece que grupos interessados em investir apenas na vacina é que deixam de lado a questão do tratamento preventivo que existe e também o tratamento logo após a contração da doença", acusou. Não existe tratamento preventivo.


Lockdown

A forma mais consolidada para frear os contágios é o isolamento social. Nos momentos mais críticos, para permitir que o sistema de saúde se desafogue, fala-se na versão mais rígida: o lockdown. Enquanto o isolamento é uma recomendação, o lockdown é uma imposição do estado que proíbe o funcionamento de serviços não essenciais em atendimento presencial e restringe a circulação por espaços públicos e privados.


Ainda que seja eficiente, o lockdown gera grande desgaste político – uma vez que o empresariado não tem nenhum interesse na preservação de vidas sobre o lucro, e insiste na dualidade falsa entre “salvar vidas ou salvar a economia”. Em Porto Alegre, no dia 18 de março, houve carreata pedindo o fim das medidas restritivas e o impeachment do governador Eduardo Leite. Não por acaso, as restrições são muito mais brandas do que deveriam e se estendem por dias insuficientes. Os opositores se aproveitam justamente disso para alegar que a estratégia não funciona.


Prefeitos e governadores têm buscado apoio no governo federal na articulação de um Pacto Nacional contra a Covid-19. A ideia seria que a União assumisse o lockdown como alternativa, mitigando o desgaste público e permitindo que a medida cumpra seu papel. O grande empecilho? Bolsonaro. O presidente tem agido politicamente para minar os políticos que defendem o lockdown. “Eles (prefeitos e governadores) não querem salvar vidas, querem poder”, acusou o presidente em 11 de março.


Em uma estratégia ainda mais direta, Jair Bolsonaro entrou com uma ação no STF exigindo a suspensão do toque de recolher e do fechamento de comércios de três unidades da federação: Brasília, Bahia e RS. A ação foi rejeitada. O objetivo, ao que se indica, não era vencer. Era preparar uma armadilha que reforce a mentira ventilada pelo presidente de que o Supremo o deixa de mãos atadas.


Desde que os ministros do STF decidiram que haveria responsabilidade compartilhada na gestão da crise em 2020, permitindo que os estados e municípios decidissem sobre as medidas protetivas contra a pandemia, que o presidente vem usando a decisão como bode expiatório para sua inação.


A percepção internacional do Brasil tem chamado a atenção pelo fracasso na gestão da pandemia. Em números de mortes diárias, o país tem superado os Estados Unidos – que, por outro lado, avançam na imunização desde a saída de Donald Trump da presidência. Mesmo entre os vizinhos a situação é periclitante: Peru e Colômbia proibiram voos do Brasil e a Argentina também impôs restrições. O Uruguai enviou mais doses de vacinas para a fronteira com o RS e assim por diante.


Futuro

Existiria um limite de tolerância mesmo da direita com Bolsonaro? A resposta parece se aproximar. De acordo com a pesquisa DataFolha mais recente, 54% da população reprova as ações da presidência contra a pandemia. É o seu pior índice de rejeição até agora. Outro índice foi uma carta aberta assinada por mais de 200 banqueiros, empresários e economistas que alertou: “Não há mais tempo para perder em debates estéreis e notícias falsas. Precisamos nos guiar pelas experiências bem-sucedidas (...), que possam reverter de fato a situação sem precedentes que o país vive".


Em entrevista ao programa Viração da ADUFPel, o cientista político Rudá Ricci classificou o modo de governo de Bolsonaro como “birra”. E que terá um preço alto. “Havia uma expectativa do Centrão quanto a indicação de Ludhmila Hajjar ao Ministério da Saúde. Bolsonaro recuou para agradar a extrema-direita fanática que o apoia. Essa era sua última chance; não duvido que o Centro passe a apoiar o Lula”.


Para Ricci, o discurso de Lula após a anulação de seu julgamento pelo ministro Facchin, mostra sua disponibilidade de dialogar com o empresariado e com os políticos de direita. “Se a candidatura se consolidar, essa não será uma eleição polarizada. Será entre a extrema direita bolsonarista e o Centro”. Ainda que o ex-presidente evite falar em eleições, suas entrevistas repercutem internacionalmente. Especialmente ao cobrar Bolsonaro e cobrar dos países ricos a responsabilidade de garantir imunizante para os mais pobres. Se a sua presença representará efetivamente uma mudança no governo Brasileiro no combate à pandemia é algo que ainda vamos descobrir.


Assessoria ADUFPel

Leia essas e outras reportagens no jornal Voz Docente

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