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Notícia

Companhia teatral evidencia protagonismo de mulheres negras

Matéria publicada no Jornal
Voz Docente em Março/2022


O teatro é uma forma de manifestação integrada às estruturas da sociedade. Assim como a economia e a política, ele é o retrato do contexto social no qual se manifesta, reproduzindo valores, modo de vida e saberes de cada período histórico. Interligado a essas estruturas, em uma sociedade racista, como a brasileira, em que negros geralmente ocupam lugares de menor prestígio, são segregados pelo subemprego, pela violência e diversos outros fatores, o teatro reflete o que somos.


Isso ajuda a compreender a forma como negros e negras têm sido representados em produções ao longo dos séculos. Desde as apresentações e danças dramáticas de escravos vindos da África, passando pela segunda metade do século  XVIII e início do século XIX, onde os atores eram predominantemente de negros escravos ou libertos, que interpretavam personagens brancos e tinham seus corpos pintados, hoje, os e as artistas pretos e pretas buscam quebrar essa barreira, principalmente as mulheres. 


Após anos sendo tratadas de maneira estereotipada e estigmatizada em produções teatrais, de teledramaturgia e cinematográficas, que, por muito tempo foram restritas a um olhar racista e sexista, tendo seus corpos reduzidos à objetivos de sexualização ou subalternidade, uma nova geração de mulheres negras vem para transformar.  Elas, que por muito tempo foram silenciadas ou tiveram suas histórias contadas por outras pessoas, empenham-se em mudar este cenário e mostrar que o lugar da mulher negra é em todos os espaços, como protagonistas de sua própria narrativa, gerando oportunidades para futuras gerações e unindo a luta antirracista à produção cultural. 


Filhas de Tereza

Esse contexto foi o ponto de partida para a criação, em Pelotas, da Companhia Teatral Filhas de Tereza, fundada em 2016. Questões como racismo, machismo e lesbofobia - realidade vivenciada cotidianamente por seus membros e fundadores, Ingrid Duarte e seu colega da faculdade, Mineiro (Everton Lima) - foram responsáveis por abrir a porta para a discussão desses temas no teatro. 


Conforme conta Ingrid, mulher negra, lésbica, atriz, diretora, dramaturga, arte-educadora, poeta, contadora de histórias e palhaça, formada em Teatro-Licenciatura pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a ideia de fundar uma companhia começou a ser desenhada em 2015, quando, ao escrever um texto, deu-se por conta que não se encaixava nos demais grupos teatrais da cidade, por conta dos estigmas e dos estereótipos que reforçam o racismo e o machismo e que também estão presentes no teatro.


O grupo formou-se a partir do encontro promovido pelo projeto de extensão de educação continuada da UFPel, Quilombo das Artes, que unia ainda arte e política, e, por cinco anos (2010 a 2014), se desenvolveu no bairro Navegantes destinado a jovens e crianças carentes, propondo a reflexão intensa sobre o uso adequado do tempo livre, sobre ética, direitos humanos, cidadania e arte. 


Nele, Ingrid e Mineiro aprenderam a lecionar e a se reconhecerem, conforme explica a arte-educadora e dramaturga. “Ali, a gente conheceu uma gurizada que nos acompanhava desde o início, que é a Tati [Tatiana ‘Cuba’ Duarte] e a Andreza [Mattos]. Então, quando a gente pensou em fazer um grupo, chamou elas. Não para serem alunas, mas para serem colegas de palco”. Ambas aceitaram e permanecem até hoje, juntamente à Ingrid Duarte e à Amanda Mariano. 


Violência e corpos negros

Ao refletir sobre o que iriam desenvolver enquanto companhia teatral, inicialmente tiveram a ideia de tratar sobre a temática do meio-ambiente, de cuidados com o lixo, muito por conta da situação vivenciada pelos moradores do Navegantes. Porém, o local que conseguiram para ensaiar estava localizado no centro da cidade e as integrantes teriam que fazer uma grande movimentação para deslocamento. Nesse caminho, sofreram racismo. 


“Elas acabaram passando por algumas situações muito racistas, que gritaram, e a gente não conseguiu ensaiar e pensar no grupo porque teve que parar e conversar sobre o que tinha acontecido, porque isso atravessava a todas e quase virou terapia”. 


Por isso, antes de produzir qualquer coisa relacionada ao teatro, o grupo se amparou e acolheu as suas dores. Naquele momento, não havia outra alternativa senão abordar, em seus textos e peças, o que havia acontecido. “A gente entende o teatro como esse espaço para a gente falar sobre coisas que nos atravessam e que atravessam toda a sociedade. E, em Pelotas, é muito forte essa história que ainda não é contada e que ainda é muito escondida. Então, a gente pensou que teria que falar sobre isso. Nós éramos quatro pessoas negras, três mulheres e um homem”, relata. 


Após pensar como colocar tudo isso em prática, Ingrid lembrou de um texto que havia escrito em 2015, no qual expressava-se sobre o quão “esquizofrênico é estar no corpo de uma mulher negra”. Uma das situações que a levaram a seguir essa direção, foi um episódio de racismo pelo qual ela passou ao frequentar uma loja usando chinelo e o segurança a perseguiu. “Você começa a se questionar e vira uma esquizofrenia quase, de pensar: Não, isso são coisas que eu inventei, são vozes. Isso não é real’, observa. 


As suas experiências, somadas aos conflitos atravessados por todo o grupo e a violência sobre os seus corpos, virou fragmentos de texto. Foi quando iniciaram a se debruçar sobre a identidade, movimento e religiões afro-brasileiras. “A gente começou a se descobrir e foi um lugar muito potente, de se olhar e se reconhecer. Assim surgiu Fragmentos de Tereza da Silva, que foi um espetáculo que basicamente a gente gritava todas as coisas que nos faziam calar”. 


Ela, então, buscou desligar-se da referência Europeia de teatro, ensinada na faculdade, para falar sobre negritude sob a perspectiva da cultura brasileira. “Uma das grandes perguntas que eu sempre faço para as pessoas do teatro é que no Brasil nós temos tanta cultura, tanto atravessamento de cultura nos corpos, na fala e na dança, e quando pensamos em teatro, pensamos logo nos europeus. Temos uma riqueza e não estruturamos isso para nos dar embasamento para irmos para o palco”. 


A Cia. Teatral Filhas de Tereza, de acordo com Ingrid, tornou-se o lugar onde ela se reconhece, se identifica e se fortalece. Desde então, o grupo tem reunido jovens atores e atrizes negros e negras, dando voz às suas histórias e as de seus antepassados, que muitas vezes as é negada. Nas peças, o grupo busca evidenciar o machismo, racismo, homofobia, lesbofobia, sexismo, entre outros temas, do ponto de vista do povo negro, que é atingido por essa questões de uma maneira bastante singular.


Fonte: Assessoria ADUFPel


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