Curta trata de invisibilidade pelo olhar de dois corpos negros em movimento
Pelotas é uma cidade negra. Cada pedaço de sua história está marcado pela herança cultural e simbólica, mas, principalmente, pela dor e pelo sofrimento de pessoas que foram escravizadas e sujeitas à exploração da mão-de-obra nas Charqueadas. São 264 anos forjados pelo racismo, entranhado em suas estruturas e que se manifesta ainda hoje.
Esses mais de dois séculos são revisitados pelo curta-metragem Axêro, dirigido pela professora de Licenciatura em Dança da UFPel, Maria Falkembach, e escrito e protagonizado por Gessi Könzgen, cujas trajetórias cruzaram-se assim que o curso foi inaugurado na Universidade, uma enquanto docente e a outra estudante, e a parceria permanece até hoje.
Pelo olhar de dois corpos negros em movimento, dos atores Gessi e Jão, a obra trata de invisibilidade, força, fé, dor e superação do preconceito racial cotidiano. Ambos louvam antepassados, habitam e reescrevem os espaços da cidade para denunciar as formas em que a estrutura racista se manifesta.
Segundo Maria, o curta joga com três dimensões: o cotidiano, a história e o sagrado. Além disso, possui características de documentário, englobando linguagens da dança, do teatro e da poesia. “As pessoas não se dão conta que existe uma vinculação entre o racismo que se sofre hoje e a sua história escravagista das Charqueadas. A produção traz, então, essa conexão de que esse racismo está aí, de que é estrutural e ele existe desde aquela construção que não está muito longe de nós, dessa forma de considerar as pessoas seres moventes. A gente quer mostrar essa dor, embora não queira focar nela. A gente quer apontar para a esperança”, explica.
Transformação social
Axêro visa, também, contribuir para transformações sociais e auxiliar na luta antirracista em Pelotas. Para isso, a equipe tem promovido a sua exibição em escolas, de forma a ampliar o debate sobre desigualdade racial. “A ideia é descortinar esse assunto, é um meio de. Nós queremos que a nossa contribuição negra esteja na escola, somando, porque, normalmente, a gente vê pessoas brancas contando essa história”, ressalta Gessi.
Além disso, Maria salienta que a arte, nesse espaço, também colabora para mudanças na sociedade. “A arte, de alguma forma, sintetiza elementos. Eu entendo que a nossa contribuição vem nesse sentido. Como é uma linguagem artística, ela pega de outro jeito as pessoas e consegue sintetizar horas de um texto”.
Como tudo começou
O curta é um projeto colaborativo, produzido pelo Tatá - Núcleo de Dança- -Teatro e coletivo Fio da Navalha, com financiamento do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Procultura) de Pelotas. É uma adaptação da obra de dança-teatro homônima, com direção de fotografia de Luis Fabiano Gonçalves e trilha sonora de Álvaro Rosacosta e grupo Tatá. No elenco, também estão Jão Cruz, Antônia Morales, Judith Dias de Almeida e Nattih Meirelles.
O projeto Tatá surgiu em 2009, tendo como foco a criação de obras cênicas para apresentação em escolas e espaços da comunidade de Pelotas e região. Desde os primeiros trabalhos desenvolvidos, segundo Maria, busca trazer à tona a perspectiva do negro e da negra.
Foi nele que Gessi se encontrou, conforme confidencia. Logo que ingressou na UFPel, passou a participar do projeto de extensão. “Desde que eu comecei no curso de Dança, eu falava para a Maria que eu gostaria de ter um trabalho relacionado à negritude e à cultura negra, mas que visse pelo lado negro, não pela história contada de outra forma. Contar a história a partir do que eu vivo. Desse lugar é que surge este trabalho”.
O filme, inicialmente, não foi pensado como um produto audiovisual, mas para ser um espetáculo. Porém, a pandemia obrigou a equipe a alterar o formato. Conforme conta Maria, isso não significa que não possa ser retomada a ideia original. “Acreditamos que, ainda, a apresentação presencial possa acontecer. Agora, entramos em outros editais para ver se conseguimos a verba para poder retomar ele.
Para conhecer mais o projeto, acesse: Facebook.com/tatadancateatro/ ou Instagram (@axero.pelotas)
Este texto foi publicado na quinta edição do jornal Voz Docente. Leia aqui.
Assessoria ADUFPel
Fotos: Luis Fabiano Gonçalves