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Educação em Cuba: um histórico de resistência

Publicado no jornal Voz Docente em maio/2022


Durante o 40º Congresso do ANDES-SN, que ocorreu ao fim de março em Porto Alegre, as discussões dos e das docentes foram acompanhadas de perto pelas duas integrantes da delegação cubana. Glória Rodrigues, membro do secretariado do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Educação, Ciência e Esporte, estava ladeada por Maria Caridad Cordeiro, funcionária de relações internacionais da Central de Trabalhadores de Cuba.


A presença da delegação veio reforçar o diálogo com as classes dos trabalhadores e trabalhadoras da educação para além das fronteiras nacionais, e culminou em uma entrevista coletiva. Em sua fala aos jornalistas, as duas exploraram um pouco da realidade da educação superior na ilha, além de dar mostras da visão coletiva que atravessa formação, pesquisa e produção. Parte deste material foi publicado em formato podcast no programa Viração, da ADUFPel, e pode ser ouvido aqui. 

Nesta matéria, por sua vez, vamos partir da entrevista com Glória e Maria Caridad para nos debruçar um pouco mais sobre o histórico e a estrutura de ensino no país.


Formação inicial

Para conhecer um pouco mais sobre o Sistema Nacional de Educação (SNE) da República de Cuba é fundamental compreender como o ensino da população era trabalhado no período anterior ao do governo revolucionário. Os números ajudam a contar essa história: em 1958, Cuba possuía cerca de 5 milhões de habitantes, sendo 1 milhão de analfabetos – sem contar os milhares de semi-analfabetos e de crianças em idade escolar, mas sem o devido acesso. Na época, havia apenas 15 mil estudantes universitários e três universidades, sendo uma delas privada.


Hoje, estima-se que um em cada sete trabalhadores em Cuba tenha ensino superior completo – nas suas várias modalidades, com mais de 60 universidades à disposição do povo. O investimento econômico, por certo, é grande responsável pelas transformações: há anos que 13% e todo o PIB do país é destinado à educação, e mais de 20% da despesa orçamental com a educação superior. Resultados estes acompanhados e aferidos por órgãos internacionais, como a própria Unesco.


Com a Revolução Cubana em 1º de janeiro de 1959, liderada por Fidel Castro, a situação começaria a mudar rapidamente. Ao ponto que em 22 de dezembro de 1961 - um período de quase três anos, portanto – Cuba é declarada como território livre de analfabetismo. 


O feito, por si só, já é marcante, mas vale atentar para a estratégia. Buscou-se de início a redistribuição da estrutura física das escolas e dos professores, deslocando a força de trabalho para onde era mais necessária. No entanto, o número de mestres necessários era ínfimo comparado à tarefa que se desdobrava pela frente. Assim, em uma medida emergencial, instaurou-se um ativismo pedagógico ligado à ideia de "quem sabe mais ensina quem sabe menos". Não era preciso, assim, esperar a graduação dos professores para que o processo de ensino tivesse início.

De princípio, é claro, a busca foi pelo fortalecimento das escolas básicas do primeiro segmento. Com a etapa concluída, foi preciso criar outras estratégias de capacitação técnica e intelectual da força de trabalho urbana e campesina.


Desconhecimento

A ignorância sobre a ilha permitiu que notícias falsas circulassem livremente, como a que questionava nos tempos do Mais Médicos como poderia haver 6 mil médicos cubanos no Brasil, sendo que “só havia duas faculdades de medicina no país”. Apuração das agências de checagem, entretanto, mostrou que apenas com cursos de Medicina disponíveis, existem 26. Um estudo feito pelo Ministério da Saúde Pública de Cuba mostrou que o país formou mais de 80 mil médicos entre 1959 e 2003. Para além disso, em 2015, segundo a Organização Mundial da Saúde, Cuba tinha 76,5 mil médicos com quase metade especializados em saúde da família.


Em seu Relatório Mundial de Acompanhamento da Educação 2020, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) reconheceu a eficácia do programa cubano "Educa a Tu Hijo" para garantir uma educação inclusiva e de qualidade desde a primeira infância e em contextos rurais. Também elogia o Programa de Educação Sexual de Cuba e destaca sua abordagem preventiva, gênero e direitos sexuais, em todo o currículo básico, eletivas e estudos de pós-graduação.



Reforma Universitária

Em artigo em que analisa mais de meio século de educação na ilha, o pedagogo cubano Justo Alberto Chávez Rodriguez apontou outro elemento fundamental para produzir transformações nos âmbitos acadêmico e social: a criação do Departamento de Bolsas e da adesão massiva dos bolsistas em 1972. 


A educação era gratuita, mas a perda de braços de trabalho entre as famílias não era sustentável. A Reforça Universitária possibilitou, com o decorrer dos anos, que de filhos de operários e camponeses se convertessem nos primeiros profissionais universitários em suas respectivas famílias. Um lembrete de que não basta ser gratuito para ser realmente acessível.


Após uma série de mudanças e adaptações, hoje podemos entender a educação em Cuba como um conjunto de vínculos de subssistemas integrados. A base de tudo é o Subssistema de Educação Geral Politécnica e Laboral, que vai abranger todo o período equivalente à educação básica e ao ensino médio. 


Quando aprovado no 9º grau, o aluno tem diante de si uma série de possibilidades distintas de como seguir seus estudos - sempre ligadas às áreas de desenvolvimento do país: magistério, escolas politécnicas e formação de bacharéis. Na opção pela academia, Institutos Pré-Universitários Vocacionais ajudam os alunos durante o 10 e 12 graus a desenvolverem os conhecimentos necessários para o ensino superior.


Paralelamente, o subsistema de educação de jovens e adultos está organizado em três níveis educacionais diferenciados: Educação Operária Camponesa, de nível primário; Secundária Operária Camponesa, de nível médio básico, e Faculdade Operária Camponesa (FOC), de nível médio superior.


Não existe vestibular em Cuba, posto que o acesso ao ensino superior é universal. Entretanto, para carreiras mais concorridas, a aferição é feita a partir do histórico escolar. Os que não conseguem boas notas no período pré-universitário pode fazer exames para compensar os prejuízo.


Além das licenciaturas e bacharelados, existe a opção da educação superior de ciclo curto, um novo subsistema aprovado no país a partir de 2018. Nele, é possível se formar como técnico superior - estando o profissional um nível acima do técnico profissionalizante. Estão disponíveis 17 especialidades na área de saúde pública, 9 de professor secundarista, além de técnicos de segurança da informação, entre outras em vias de abertura.


Como resultado de um pensamento institucionalizado em que a coletividade é mais importante que o indivíduo, os cursos disponíveis em cada universidade dependem da necessidade de cada região. No entanto, como informa Glória Rodrigues, nada impede que o aluno se desloque para outra cidade onde há o curso que deseja. "Existe flexibilidade, é possível", garante ela.


Desafios

Ao refletir sobre os destinos da ilha, é impossível não levar em conta o embargo comercial que desde a década de 1960 é imposto sobre Cuba pelos Estados Unidos, a maior potência econômica do planeta. São  243 medidas que ainda hoje permanecem ativas o que gera inúmeras consequências. “Os danos acumulados durante quase seis décadas de aplicação dessa medida totalizam US$ 144 bilhões (cerca de R$ 734 bilhões)”, afirmou o governo cubano no documento “Cuba vs. Bloqueio” que apresentou sobre o embargo à Assembleia Geral da ONU em 2020. Ainda assim, Cuba resiste investindo na educação como caminho.


Lastro disso se deu recentemente. A pandemia de Covid-19 foi uma tragédia para o mundo todo, mas causou especial estrago na ilha onde a escassez movida pelo bloqueio impera. Glória e Maria Caridad, da delegação cubana, apontam o que ajudou a mudar a situação: solidariedade internacional e uma disposição do governo em salvar a vida do povo.


Foi assim que, no período mais crítico, o investimento em pesquisa e em saúde pode ser coroado com o desenvolvimento de 5 vacinas contra a Covid-19. A título de exemplo, a vacina Abdala obteve 92,28% de eficácia em 2021 e a Soberana 02 mostrou eficácia de 91,2% quando administrada em duas doses, seguida de reforço de uma dose da vacina Soberana Plus. Resultado coletivo de cooperação entre universidades, laboratórios e o governo revolucionário.


Fonte: Assessoria ADUFPel


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