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Educação Superior em 2021 - Entre ataques e lutas, saldo é a sobrevivência

Matéria publicada no Voz Docente nº 9.


Dezembro se despede e se avizinha a chegada de um novo ano. Diante dos ritos de fim e recomeço, somos convidados coletivamente a refletir sobre o ano que se encerra. A celebração da vida deixa um gosto amargo na boca; sobrevivemos aos piores momentos da pandemia da COVID-19 até agora, mas demos adeus a pelo menos 420 mil pais, mães, filhos, amigos ou companheiros que morreram apenas em 2021 da doença segundo os dados oficiais. Temos vacinas, mas a desigualdade deixa estados como Amapá, Pará e Roraima com apenas 30 a 40% da população com segunda dose de cobertura vacinal, enquanto São Paulo celebra os 90%. 


Com a aproximação de um novo processo eleitoral, enfrentamos um governo enfraquecido, mas ainda capaz de negociar votos no Senado e na Câmera, em uma política de negociatas com um “centrão” que não mascara o fisiologismo. De mesmo modo, apesar da debandada do bolsonarismo, observamos um processo no qual se depura a ala radical de uma direita não apenas conservadora e preconceituosa, mas também fascista, conspiratória e negacionista.


Inquietações sanitárias e, especialmente, políticas deram a tônica do ano também no que diz respeito à educação superior. Na avaliação de Lalo Watanabe Minto, professor de História da Educação e Política Educacional da Unicamp, apesar do biênio 2020-2021 ter sido marcado conjuntamente pelo enfrentamento à COVID-19, o ano passado ainda trazia muito de continuidade do desmonte público iniciado em períodos anteriores. Já 2021, por sua vez, foi possível perceber peculiaridades no que diz respeito à fascistização crescente na educação, na ingerência das instituições e na abertura para a agenda privatizante.


Um dos desafios mais básicos disse respeito ao corte de R$ 1 bilhão no orçamento discricionário anual, que inclui recursos para custeio e investimento nas universidades. No caso da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), noticiamos em maio a publicação de uma nota afirmando que a instituição não conseguiria honrar suas despesas de custeio. A UFPel sofreu um corte de 24,41% nos recursos financeiros utilizados para as despesas fixas com energia elétrica, os contratos de limpeza, portaria e manutenção, a aquisição de insumos para aulas, o pagamento das assinaturas das bibliotecas eletrônicas, entre outras. Dos recursos prometidos, já com o corte, haviam sido repassados apenas 40,1%. 


A ameaça de apagão das universidades marcou as lutas do primeiro semestre. Em sua análise, Lalo Minto reforça o quanto esse processo é desgastante. "Por mais que se consiga uma liberação futura de verbas, a simples incerteza inicial já prejudica. Como fazer o planejamento para o ano se não há certeza nem quanto ao orçamento básico?', questiona.


Outra percepção do professor diz respeito aos projetos defendidos pelo Ministério da Educação. “Até 2020 ainda se falava no Future-se como este projeto do governo para incitar a subordinação das universidades ao capital privado”, relembra Lalo. “No entanto, hoje já há tamanha penetração da lógica de mercado na universidade pública que o Future-se, como projeto, talvez nem seja mais necessário para o Governo”.


O avançar da privatização percorreu as margens do ensino público, em um processo que não começou agora, mas cujos reflexos percebemos com cada vez mais frequência. “A meu ver houve uma ingerência na decisão do STF que permitiu às universidades públicas cobrarem por cursos de pós-graduação lato sensu em 2017. Foi uma ‘gambiarra jurídica’”, avalia Lalo. “Existe um princípio constitucional da gratuidade do ensino público que foi tensionado”. 


No entendimento do pesquisador, distorções parecidas ocorrem na pós-graduação stricto sensu, especialmente a partir dos mestrados e doutorados profissionais. “Se uma empresa faz parceria com uma universidade por ter interesse em determinada área, isso não se configura como cobrança direta, mas evidentemente implica em um processo de alteração da lógica pública”. Ocorrem assim alterações profundas no que diz respeito ao que é pesquisado ou não, financiado ou não.  E isso muda o jogo.


Projeto de desmonte


Encontramos a mesma subordinação às necessidades do mercado, justificada como busca por interiorização, em manifestações recentes do ministro da Educação, Milton Ribeiro. Nelas, ele expôs o projeto de criar cinco universidades e seis  novos institutos federais pelo país a partir do desmembramento de outras instituições. Ou seja, sem a abertura de  vagas de contratação. 


Em entrevista ao podcast Viração da ADUFPel, a professora Regina Ávilla, secretária-geral do ANDES-SN, refletiu sobre esse processo. Para ela, houve violação da autonomia das universidades ao recusar a discussão de um projeto de reordenamento das instituições sem consulta à comunidade acadêmica. 


“Mais do que isso, o contexto da proposta é de plena vigência do teto de gastos da Emenda Constitucional 95, de redução de investimentos, de corte de mais de 90% para Ciência e Educação”, relembra. Sem a previsão de concursos públicos, supõe-se que o corpo docente acabe sendo formado por profissionais temporários e sobrecarregados – incapazes, portanto, de desenvolver pesquisa ou extensão universitária. O resultado é a precarização galopante do ensino público.


Para Regina, intensificar a precarização faz parte de um projeto. “Corroer o ensino público aprofunda a demonização do Estado e abre brecha para apresentar a privatização como lugar de excelência e eficiência”. Como alerta a professora, os ataques constantes não são desordenados, mas partem de uma articulação voltada para desmontar paulatinamente tudo aquilo que a luta coletiva construiu no que diz respeito ao papel da universidade, da educação pública, da democratização e acesso ao ensino. “Um conjunto de medidas que não podem ser descontextualizadas do movimento do capital”, reforça a secretária do ANDES-SN.


Não escapa à análise que as instituições de ensino seriam criadas em redutos de apoio ao governo. E apesar da não contratação de novos docentes, a eleição de novos reitores alinhados ao bolsonarismo deixam os pesquisadores em alerta. 


Intervenções e perseguições


Existe um movimento complexo entre as hostes governistas no que diz respeito às universidades - reiteradamente atacadas pelo governo Bolsonaro como lugar de “balbúrdia” e degeneração, sob o julgo de “comunistas” – e o ensino superior – desencorajado, em um discurso que mescla anticientificismo, recusa à formação de massa crítica e um elitismo saudosista indisfarçado, de um tempo em que o ensino público superior era ainda mais impermeável aos pobres e grupos minoritários. 


O mesmo governo que ataca ensino superior, entretanto, é aquele que falseia currículos e diplomas para reforçar o argumento de autoridade, e que em 2021 consolidou a prática das intervenções. Desde o início do governo Bolsonaro, alerta o ANDES-SN, são mais de 25 instituições federais de ensino superior que sofreram intervenção do presidente na escolha de reitores e reitoras que não foram indicados pela comunidade acadêmica.


Até o final do mandato do presidente, em 2022, mais 10 instituições passarão pelo processo eleitoral. De acordo com a Lei 9192/95, cabe ao presidente da República indicar à reitoria um dos nomes constantes na lista tríplice encaminhada pelo Conselho Universitário. Em respeito à decisão das instituições e à autonomia universitária prevista no artigo 207 da Constituição Federal, historicamente, os presidentes indicam o primeiro nome da lista. Algo ignorado pelo governo Bolsonaro. 


Em agosto, o ANDES-SN realizou a Semana Nacional de Luta contra as Intervenções para organizar ainda mais as vozes contrárias. Como alerta Joselene Mota, da coordenação do setor das IFES, a intervenção tem por objetivo conseguir apoio nas instituições para a política de desmonte.


“Ter representantes do governo à frente de uma gestão significa que, quando o governo faz cortes no orçamento das universidades públicas, esses reitores não vão lutar pela recomposição orçamentária. Quando o ministro da Educação faz falas preconceituosas, capacististas e infelizes a respeito, por exemplo, de estudantes com deficiência atrapalham a educação, esses reitores vão concordar também. Quando o ministro da Educação disser que as universidades públicas não são para todos, esses reitores vão fazer o quê?”, alerta. E continua: “Não dá pra aceitar essas pessoas que representam essa política de fim da educação pública, de fim da universidade pública, de fim dos serviços públicos”.


Para além do intervencionismo, este foi também um ano marcado por perseguições a docentes que se manifestam ideologicamente contrários à presidência. Foi o que aconteceu com a professora Erika Suruagy, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O caso, que também repercutiu no podcast Viração, foi motivado por uma ação realizada em agosto de 2020. Na época, a professora estava à frente da Aduferpe, a associação de docentes da instituição, quando foram espalhados pelo estado de Pernambuco uma série de outdoors denunciando a responsabilidade do presidente quanto aos óbitos por conta da COVID-19 no Brasil. 


Em janeiro de 2021, Erika se viu como ré de um inquérito policial, tendo como base o artigo 141 do código penal: injúria contra funcionário público. Não demoraria muito para ela descobrir que o inquérito, movido pelo Ministério da Justiça, fora aberto a pedido do próprio presidente da República. 


“Foi uma clara tentativa de intimidação, de censura, de uma ação aprovada pelas instâncias do próprio sindicato. Então eu, indivíduo, tive que responder por uma campanha coletiva a partir da criminalização de uma ação legítima”.


O inquérito foi arquivado no final de abril. Todavia, independentemente do resultado final, as mensagens do governo são claras: uma política extremamente personalizadora como a de Jair Bolsonaro incentiva igualmente o ataque a indivíduos, como se fossem eles avatares daquilo que é indesejável para o poder instituído.


“Tem sido comuns relatos de perseguições políticas e processos administrativos contra professores, estudantes e técnicos que vão contra qualquer ação do governo federal”, alerta a presidente do ANDES-SN, Rivânia Moura. Um reforço deste lugar de autoritarismo e silenciamento que se tenta construir nas instituições de ensino. 


Lutas Presentes


Representativo de 2021  foi também o retorno massivo às ruas por parte dos servidores e servidoras. Mesmo com a pandemia não vencida, as lutas presenciais foram um grito pela vida diante do reconhecimento de que  a manutenção de um governo genocida no poder - que debochada diante dos mortos - era um perigo que precisava ser combatido com todas as forças.


Foi denotando respeito à ciência que entre os gritos por saúde, pão e educação, os manifestantes distribuiam álcool em gel e máscaras, conscientizando ante a negligência do governo. E assim, equacionando preocupações e luta pela vida, as ruas foram sendo ocupadas mês a mês.


Ápice das mobilizações se deram com a articulação nacional para manter presença em Brasília na luta contra o Projeto de Emenda à Constituição 32/2020, conhecido como a PEC da Contrarreforma Administrativa. 


Desde o dia 13 de setembro, servidores e servidoras públicos junto a diversas centrais sindicais estiveram em Brasília para pressionar e informar sobre os perigos da PEC. Houve participação constante de diretores da ADUFPel, que se alternaram para manter presença. 


A PEC chegou a ser aprovada na Comissão Especial e iria para votação no plenário da Câmara dos Deputados em outubro. Na avaliação de Rivânia Moura, presidente do ANDES-SN, isso só não aconteceu devido ao não arrefecimento das manifestações. "O governo não tem os 308 votos necessários para aprovação do projeto, e não consegue arregimentar mais apoio por conta da pressão popular", avalia. "Por isso estamos convocando as centrais sindicais para continuar mobilizadas". A luta é incessante.


Em entrevista ao podcast Viração a presidenta da ADUFPel, Regiana Wille, alerta: "A PEC 32 quer desmontar a estrutura do estado, abrindo possibilidade para a privatização geral dos serviços que são ofertados para a população". Os dados apresentados pelo governo de que o engessamento dos gastos públicos se deve aos servidores, pondera Regiana, são distorções que mascaram os verdadeiros culpados pela crise: os juros da dívida pública.


"Ao promover o fim dos serviços públicos, o governo ofende o principio da moralidade pública, porque traz de volta o apadrinhamento político", pondera Regiana. Assim, quem pagará a conta, ao fim do processo, será a população que mais precisa dos serviços gratuitos e de qualidade.


Uma das formas que os manifestantes encontraram para chamar atenção da população foram as performances artísticas. Um início de diálogo necessário, ao mostrar que a luta não é apenas dos servidores e servidoras, mas do coletivo. Icônica foi o ato do dia 20 de outubro, justamente o Dia do Servidor Público. Nesta data,   servidores e servidoras cobriram-se com mortalhas sujas de tintas vermelhas. Ao redor, manifestantes com máscaras de Bolsonaro como personificação da Morte se deleitavam. 


O Ministro da Economia, Paulo Guedes, também foi alvo constante das manifestações. Ele, que é um dos principais articuladores da Contrarreforma administrativa, se viu envolto num escândalo: descobriu-se que possui uma offshore ativa nas Ilhas Virgens Britânicas; um paraíso fiscal no Caribe. Assim, ao mesmo tempo em que celebrava o dólar alto no país - e, por consequência, a inflação que afligia os brasileiros- sua própria fortuna escalonava.


O rosto de Guedes estampou notas de dólares manchados com sangue que os manifestantes fizeram chover mais de uma vez em Brasília. Aos gritos de "Fora Bolsonaro" e "Fora Paulo Guedes", garrafinhas de suco de laranja com o rosto dos deputados. A proposta era convocá-los a dizer não à Contrarreforma administrativa, como parte da campanha "Laranjal - Não seja laranja dessa PEC".


Entre ataques e lutas, performances e gritos, o saldo de 2021 é a sobrevivência. Permaneceremos atentos e ativos no próximo ano, pois a luta continua.


Assessoria ADUFPel Fotos: ANDES-SN e Arquivo ADUFPel

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