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Notícia

Entrevista: Luiz Henrique Schuch fala sobre carreira docente

O ANDES-SN realizou, no final do ano passado, uma entrevista com o ex-presidente do Sindicato Nacional e ex-diretor da ADUFPel, Luiz Henrique Schuch, sobre carreira docente, que serviu como material de apoio para a construção do InformANDES nº 144

No conteúdo disponibilizado à ADUFPel, Schuch percorre o processo de construção da carreira docente, relembra ataques sofridos e momentos marcantes da trajetória de luta do ANDES-SN e da categoria em defesa de uma carreira estruturada, destacando seus impactos para a universidade, estudantes e sociedade.

O professor também concedeu uma entrevista ao podcast da ADUFPel, o Viração sobre o mesmo assunto. O episódio, primeiro inédito de 2024, foi lançado nesta segunda-feira (05) e pode ser ouvido aqui

ANDES-SN: Como foi o processo de construção da carreira docente do Magistério Federal, contida no PUCRCE, implementada em 1987? Por que este projeto foi tido como positivo?

Schuch: Várias disfunções impostas pela ditadura empresarial militar, no âmbito do acordo MEC/USAID, fervilharam na virada dos anos 70 para os anos 80. Combinavam o estímulo oficial ao crescimento privado, com processos de privatização “por dentro” e precarização das instituições públicas.

Algumas dessas disfunções afetavam diretamente o caráter do trabalho docente e tornaram-se fermento para ampliar o debate nacional e a mobilização: 

- a criação de novas universidades federais ocorreu unicamente sob o regime fundacional, nas quais as contratações e salários ocorriam segundo a discricionariedade de cada reitor, já que não caracterizavam ocupação de cargos públicos; 

- nas universidades federais mais antigas, de regime autárquico, a carreira docente mantinha a matriz oriunda da “cátedra vitalícia” de inspiração clerical baseada na unção divina, destinada à poucos. A Constituição outorgada impôs o cargo isolado de “professor titular” descolado dos demais docentes que ficaram classificados como aqueles adjuntos (ao titular/catedrático), aqueles assistentes, e aqueles auxiliares, correspondentes, aproximadamente, à hierarquia anterior de bedéis da extinta cátedra vitalícia. Além disso, na segunda metade dos anos 70 foi imposta uma política de congelamento desses cargos e novos docentes passaram a ser absorvidos por meio de contratos precários, denominados de “colaboradores”, desprovidos de direitos funcionais. Tal discrepância foi motivo de mobilizações desses docentes, inclusive nas greves nacionais entre 1980 e 1984.

Um fator decisivo para que se chegasse ao ambiente que tornou possível o PUCRCE em 1987, já em clima pré-constituinte,  foi a conquista, na luta, do Plano de Cargos e Salários das IES Fundacionais, em 1985. As disparidades e a dispersão geográfica entre as 16 universidades fundacionais criadas desde a década de 60 impunham vários desafios ao movimento, mas uma pauta específica adjacente estreitou o diálogo e ampliou a capacidade de construção política nesse segmento docente. Foi a enérgica reação ao Decreto-Lei 6733/79, baixado pelo Gal. Figueiredo em seu primeiro ano de governo com objetivo de retirar qualquer participação das comunidades universitárias fundacionais na escolha dos seus dirigentes, o que funcionou como um verdadeiro “rastilho de pólvora” para mobilização.

Esse debate foi fortemente pautado na sucessão para diretoria do ANDESSN em 1985, juntamente com o debate sobre Eleições Diretas Nacionais versus Colégio Eleitoral/Tancredo Neves e a Assembleia Nacional Constituinte. Pela primeira vez em 1986 assumiu a presidência um docente de universidade fundacional, trazendo viva a experiência anterior. Os interlocutores do governo/MEC, por sua vez, oscilavam entre os estertores da burocracia remanescente da ditadora e a necessidade de se legitimar em um novo momento. Nesses espaços, foi aberto o caminho para formalizar as bases legais que unificaram as relações de trabalho nas IFEs.

Todo esse processo foi muito positivo pela participação massiva da categoria, com mobilização e consciência dos conceitos em disputa, emanados da proposta do ANDESSN para construção da universidade pública brasileira.  Apesar dos limites resultantes da negociação com o governo no regime constitucional da época, garantiu estabilidade de direitos, valorização do regime de trabalho em Dedicação Exclusiva e estímulo a formação continuada. Há pelo menos outros quatro elementos muito importantes do ponto de vista estratégico: 1- o “garda-chuva”, representado pelos artigos iniciais, que aponta para a regência no âmbito da autonomia universitária; 2- a unificação em um só diploma legal da vida funcional dos docentes de todos os níveis e dos técnico-administrativos; 3- as mesmas atribuições e direitos a todos os docentes no âmbito da indissociabilidade em pesquisa, ensino e extensão, e 4- a comunicação do que foi produzido nesse debate para a elaboração dos tópicos relacionados na Constituição da República, proclamada no ano seguinte.


Qual a participação/interferência do ANDES-SN e da categoria docente no processo?

Tanto em 1985 (governo Figueiredo) como 87 (governo Sarney) o ANDESSN foi o protagonista que “arrombou” as portas apresentando  propostas construídas pela base, mobilização e fortes greves nacionais, mesmo sem registro sindical (que era impedido aos servidores públicos na época). É importante lembrar que se travava de um duríssimo embate de projetos para o futuro das universidades federais uma vez que naquele momento o “grupo de trabalho denominado  GERES”, constituído pelo governo, estava articulando a destruição do sistema de educação federal pública, exatamente no sentido oposto aos fundamentos do plano único de carreira. 

Recorda algum momento marcante durante a conquista da carreira?

Sim. Quando tivemos que recuar da proposta aprovada pelos docentes de algumas IFEs fundacionais, inclusive na assembleia geral da ADUFPEL, frente os contra-argumentos invocados por outros delegados na reunião nacional, em Brasília.  A proposta apontava já em 1985 para uma estrutura de carreira horizontal com 16 níveis evolutivos para cada regime de trabalho, aos quais seria agregada transversalmente a valorização por titulação. 

Os dois principais contra-argumentos que definiram o convencimento coletivo foram: a imposição constitucional do cargo máximo de Professor Titular, somente acessível por concurso público de provas e títulos, e a dificuldade de unificação com as autarquias naquele momento, pois essas vinham com a carreira segmentada em classes.


Qual a importância, para a vida docente enquanto trabalhador, de ter uma carreira estruturada?

Defendemos que o vínculo/compromisso social do docente com a universidade pública/autônoma é “da-vida-toda”, desenvolvendo projetos de longo alcance, olhando para o futuro. Um vínculo que se deve  considerar estabelecido desde a inscrição no concurso público que deu origem ao preenchimento do cargo, até o falecimento. 

Por um lado, Isso projeta nobres ideais humanísticos orientadores da jornada, mas por outro, é operado com esforço tangível, estruturado em relações de trabalho que assim devem ser compreendidas e tratadas. Docente é um trabalhador. Faz parte da classe trabalhadora e com ela deve caminhar. 

Tem o dever de exigir, coletivamente, estabilidade na relação institucional e justa compensação pelo esforço do seu trabalho. O direito de obter essas garantias nos quadros de uma instituição de Estado implica em uma carreira estruturada formalmente, na qual estejam cobertos os compromissos de parte a parte em longo prazo. No caso das IFE esse direito deve estar consignado em Lei que abranja o conjunto das instituições, particularmente porque elas funcionam como um sistema que depende da transferência regular de recursos da União. 

O exercício indissociável de ensino, pesquisa e extensão, o rigor científico, o compromisso social/ambiental, exigem formação continuada, participação frequente em programas e polos distantes, estabelecimento de vínculos orgânicos com setores da sociedade organizada, dedicação e amadurecimento na constituição de equipes para enfrentar desafios estratégicos. Ora, todos estes movimentos e necessidades implícitas ao trabalho docente nas universidades públicas estariam bloqueados, ou pelo menos seriam dramaticamente desestimuladas, caso não houvesse garantias de estabilidade nos dispositivos que organizam as relações de trabalho. Segurança em perspectiva de futuro.


Qual impacto uma carreira estruturada pode ter para a universidade, estudantes e sociedade?

Em boa medida, o caráter que terá uma universidade no futuro, e a sua função social, resultará dos fatores que impulsionaram a organização do trabalho/estudo durante as décadas anteriores.  

Partindo dessa percepção, o movimento docente teve a sensibilidade de desencadear o debate nacional sobre reestruturação da carreira em 2010 a partir da seguinte preliminar: “quais os pressupostos sobre o ambiente em que o trabalho docente deve ser exercido” quando se almeja a Proposta do ANDESSN para a Universidade brasileira?

Depois de várias discussões nacionais, a síntese produzida a partir das respostas que retornaram das assembleias gerais é bastante eloquente sobre essa questão, embora construídas pelo caminho inverso. 

O trabalho docente estruturado em uma carreira estável comunica-se com o caráter autônomo das universidades para questionar os velhos paradigmas e sondar novas trajetórias, com o amadurecimento temporal necessário para demonstrar limites e equívocos dos dogmas advindos de injunções pregressas, em suas dimensões sociais, culturais, econômicas, religiosas, políticas...etc. Essa amplitude de atuação seria inviável num ambiente imediatista, apenas instrumental.

A dedicação exclusiva como regime de trabalho e a existência de regras claras e duradouras pavimentam o caminho para ampliar a qualidade do ensino socialmente referenciado, como um verdadeiro processo de construção do conhecimento diante dos dramas sociais e ambientais concretos. Regras claras e duradoras pressupõe aperfeiçoamento em ambiente colegiado de democracia institucional, inclusive nas relações internas,  facilitando os sistemas de avaliação do trabalho desenvolvido por cada um e por suas equipes. Isso repercute no trabalho docente e no seu desenvolvimento na carreira.

Alias, tem muito maior potencial positivo para o resultado institucional o conjunto de fatores duradouros que incidem sobre o desenvolvimento na carreira, do esta ou aquela grade que expressa suas linhas e colunas.


Nas décadas seguintes, quais os principais ataques impostos à carreira conquistada no PUCRCE?

Destaco ataques sofridos em quatro vertentes:

1. As restrições orçamentárias impostas pelos governos forçam constantemente o arrocho salarial e o congelamento de vagas na carreira. De tempos em tempos, quando o “torniquete aperta”, ocorrem levantes de enfrentamento e a primeira válvula de escape acenada pelos representantes oficiais nas mesas de negociação tem sido oferecer migalhas combinando a criação de “penduricalhos” remuneratórios com o enfraquecimento dos vínculos estruturais da carreira, a conhecida desestruturação. Os exemplos mais marcantes foram a criação da GAE, GED, GID e outros penduricalhos em compensação os 8 anos de congelamento das tabelas salariais nos governos FHC e em 2012 a eliminação do ordenamento estruturante da carreira, vigente no PUCRCE,  desde 87. Estas medidas sempre representaram ruptura de direitos, perda da segurança remuneratória, arrocho discriminatório aos aposentados e desvalorização da Dedicação Exclusiva-DE (até 2012 a remuneração do docente em DE representava 3.1 vezes aquela do docente em regime de 20h, hoje foi reduzida apenas ao que seria o regime de 40h de trabalho semanal sem DE, isto é, o estimulo acabou). As/os aposentadas/os sofreram um verdadeiro golpe em 2012 uma vez que o posicionamento da maioria foi nitidamente empurrado para baixo. 

2. Em muitos momentos observamos durante a interlocução com representantes dos governos uma obstinação em forçar a descontinuidade jurídica com o PUCRCE tanto com objetivo de evitar a invocação de direitos como para romper com os paradigmas lá contidos, especialmente no que concerne a autonomia das universidades para administração dos seus quadros. Em 2012, o PUCRCE foi invocado no preâmbulo da Medida Provisória, mas logo adiante foi introduzido um artigo destinado a retirar todos os seus efeitos.

3. Perdemos o tratamento unificado de todas as categorias que trabalham nas IFEs em um mesmo diploma legal especifico, construído a partir de uma conceituação própria sob a égide da autonomia universitária.

4. Especialmente depois dos anos 90, os fundamentos inspiradores do PUCRCE, o fazer universitário defendido na Proposta do ANDESSN para a Universidade brasileira, vêm enfrentando uma incidência transversal corrosiva derivada de práticas e afetações do “produtivismo acadêmico”. Suas tendenciosidades e ranqueamentos vêm estimulando o individualismo e até mesmo produzindo certa aversão aos espaços coletivos.


Em 2008, foi criada a carreira EBTT. Em 2010, o governo federal apresentou um projeto de minuta para “estruturação” da carreira. Como o ANDES-SN avaliou aquele momento? O que levou à construção da proposta de carreira única do professor federal, aprovada em 2011, no Congresso de Uberlândia?

Antes mesmo de chegar ao Ministério do Planejamento tivemos reuniões regulares no MEC, em um grupo de trabalho  formado por ANDESSN, SINASEFE, Secretaria de ensino superior, e Secretaria de ensino Técnico, para discutir a carreira docente nas Instituições Federais de Ensino. Nosso objetivo era unificar, ou pelo menos aproximar, as carreiras do magistério superior e do magistério do 1º e 2º (como estavam configuradas no PUCRCE).

Depois de muito esforço para avançarmos, lembro-me da exclamação pronunciada pela representante da SESU que coordenava os trabalhos, diante das imposições trazidas pelos representantes da outra secretaria do próprio MEC: “aproximamos a justaposição das duas grades, mas afastamos as carreiras”. Esta frase expos a essência do que está em jogo quando se propõe a unificar (ou não) o caráter do trabalho docente nas diversas instituições federais. 

A diferenciação dos paradigmas sobre o que seria valorizado para desenvolvimento na carreira apareceu com mais radicalidade no processo de negociação seguinte, já com 1º e 2º graus transformada em EBTT, portanto apartado da PUCRCE. Foi em 2010, quando arrancamos o compromisso do Ministro do Planejamento, perante a imprensa, de revelar a minuta que o governo estava elaborando para a carreira do magistério superior.  

O material que nos foi entregue revelava com eloquência a intenção de estratificar a própria carreira do magistério superior quanto ao caráter do trabalho docente. As três classes iniciais, nominadas ou identificadas apenas por letras, seriam empurradas para baixo e caracterizadas tipicamente para “professores auleiros”, ou meramente operacionais pelas exigências de trabalho, controles e critérios de progressão/promoção/valorização. Justamente esse seria o segmento da carreira coincidente com a Carreira EBTT. 

Já a passagem para as novas classes a serem criadas, e o desenvolvimento na carreira a partir daquele ponto, valorizaria o padrão científico compatível com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, e autonomia acadêmica. 

Diante das graves ameaças identificadas na proposta do governo, o ANDESSN desencadeou um forte movimento, como debates e mobilização em todo o país, até chegarmos no 30º Congresso, em Uberlândia, com uma proposta em forma de minuta de projeto de lei que foi aprovada por unanimidade como TextoDocumento. 

Concomitantemente, o título da Proposta do ANDESSN para a Universidade Brasileira foi resumido apenas aos eixos fundamentais, uma vez que o estágio da luta em torno da carreira era muito variável nos setores das Estaduais e Municipais.

O movimento docente ANDESSN e SINASEFE teve acordo de que os preceitos constitucionais da autonomia universitária e da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão cobrem igualmente os IFs e CEFETs, considerando que os seus projetos pedagógicos e práticas vem alcançando todos os graus de ensino. Incluindo a pós-graduação e a pesquisa científica. 

Assim, convergimos na proposta de carreira de professor em cargo único, abrangendo todos os professores federais. 

As entidades levaram conjuntamente uma minuta de projeto de Lei durante as negociações em 2012. 

Embora a unificação não tenha sido absorvida, o governo recuou frente a forte greve, eliminando do seu projeto os dispositivos que mais marcariam a segmentação interna na carreira do magistério superior. Porém, manteve a diferenciação na distribuição de encargos e particularmente no caráter que orienta o desenvolvimento nas duas carreiras. Embora tenha contemplado alguns docentes dos IFs e CEFETs do ponto de vista remuneratório, a diferenciação conceitual se aprofundou logo a seguir, quando foi criada uma gratificação equivalente aos títulos de pós-graduação na carreira EBTT. 

É extremamente importante continuarmos lutando e conquistarmos a unificação dos docentes federais em uma só carreira.

Em 2012, mesmo após uma longa greve docente, o governo assinou um acordo com o Proifes, alterou a carreira docente. Quais impactos esse acordo teve para a desestruturação da carreira? Houve alguma mudança mais emblemática? Como os impactos dessa proposta assinada em 2012 são percebidos hoje?

Em primeiro lugar, uma revolta muito grande das/os aposentadas/os que foram como que empurrados para baixo. O impedimento de acesso ao cargo de professor titular durante quase duas décadas determinou o final da carreira (e a aposentadoria) na posição de Adjunto4, justamente a posição relativa que foi calcada, tanto pela formula remuneratória como pela criação de nova classe acima, com 4 níveis. Ficou claro que a margem de progressão aberta à nova classe de Associado foi em parte coberta financeiramente pelo achatamento dos aposentados. Chegamos a denunciar na mesa de negociações que o governo, com respaldo do PROIFES, estaria  praticando uma minirreforma previdenciária especifica para retirar direito das/os aposentadas/os docentes. 

Mais e mais fica evidenciada a armadilha que é renunciar à luta pelos valores que organizam permanentemente o trabalho docente em troca de malabarismos matemáticos pontuais que confundem tabela salarial com a estrutura da carreira. Além de solapar tópicos que deveriam ser direitos estáveis, o caminho adotado pelo governo com respaldo do PROIFES “rifa” parcelas da categoria a cada alteração, de maneira que em médio prazo todos perdem. 

Chegamos ao ponto em que o cálculo exato das perdas salariais se tornou individual. Uma vez que foram abolidos os critérios estruturais que compõe a remuneração, em mais um elemento que estimula o individualismo.  Só tem sido possível apontar um “índice médio” para negociação de perdas salariais da categoria. 

Além disso, o vencimento básico-VB, que representa a maior segurança ao trabalhador vinculado à carreira, foi minguado à parcela menor da remuneração na maioria dos casos. Já surgiram ameaças em alguns Estados de que os demais itens não se incorporam aos direitos uma vez que somente são concedidos mediante determinadas condições. 

Dois outros impactos negativos muitos evidentes foram a desvalorização do regime de DE, tanto do ponto de vista conceitual como remuneratório, e a diferenciação de tratamento funcional aos professores da carreira EBTT, principalmente as exigências em seus planos de trabalho, liberdade acadêmica e sistemas de controle.


Como os desmontes na carreira impactam a luta docente? Há uma fragmentação da categoria?

Quando o tratamento dado ao tema pelo governo, no método e no conteúdo, imprime a percepção de sobressaltos imediatistas e esvaziamento dos vínculos duradouros, é evidente que o individualismo e o desestímulo estão sendo fomentados.

 Foi imposta uma lógica que implica em descontinuidade, esvaziamento dos critérios e abandono de paradigmas condizentes com o caráter institucional da educação pública, inclusive expressos na Constituição. É a desestruturação da carreira docente, conforme temos denunciado, que provoca a sensação fragmentária do “salve-se quem puder”. Um descrédito que conduz o olhar, no primeiro momento, somente para aquela linha das tabelas referentes ao seu caso imediato e específico.

Ao mesmo tempo, a fictícia hierarquização vertical contida na fórmula implantada  não solucionou o esgotamento precoce à possibilidade de progressão, uma vez que a maioria dos novos docentes já ingressa na carreira com doutorado. Assim em poucos anos de trabalho já ficará estacionado no teto.

São obstáculos que serão superados com pautas precisas, muito debate e mobilização coletiva.

A precarização vivenciada no cotidiano, as contradições e inseguranças que recaem sobre a maioria dos docentes federais, muitas delas decorrentes exatamente da desestruturação da carreira e do achatamento salarial, são unificadoras da categoria e remetem para a reflexão mais profunda a respeito dos paradigmas conceituais que organizam o trabalho acadêmico. 

A experiência vivenciada durante a grande greve de 2012 comprova o quanto os professores, inclusive e talvez especialmente os mais jovens, são capazes de identificar o que está conceitualmente em jogo e ir à luta.

Você acredita que seja possível avançar num projeto de reestruturação da carreira conforme o defendido pelo ANDES-SN?

É possível e necessário para valorizar o trabalho docente, dar a estabilidade e a segurança que estimule o compromisso em desenvolver projetos acadêmicos densos, de forma que as instituições federais de ensino/pesquisa/extensão cumpram com qualidade o seu papel em direção ao futuro.

É preciso que esta conquista seja duradoura para que estabilize a jornada dos docentes na lógica que a carreira imprime. Sua implantação agora se dará olhando para o futuro, uma vez que serão os novos docentes abrangidos em todo o seu curso (os mais antigos se encaixarão já nos estágios finais pela transposição, seja qual for o modelo de reestruturação).

Acha que há necessidade de atualização do projeto aprovado em 2011? Caso sim, quais pontos?

Sim. Considerando que houve a criação de uma nova classe e da figura que permite equivalência à pós-graduação na carreira EBTT será necessário oferecer soluções que propiciem transposição adequada.

No primeiro caso, pode ser proposta a opção a cada docente de transposição para posicionamento idêntico relativo ao teto, ou para o nível que corresponda ao número de passos já cumpridos na carreira. Alternativa a isto seria alterar a proposta do ANDESSN de 13 para 16 níveis remuneratórios, o que implicaria em pelo menos duas consequências adjacentes: ampliação da distância remuneratória entre o piso e o teto, e ampliação do tempo mínimo para que os novos docentes possam chegar último nível remuneratório de 26 para 32 anos.

Quanto à equivalência da titulação, será necessário incluir dispositivo que a consolide de forma permanente na transposição àqueles docentes da carreira EBTT com Reconhecimento de Saberes e Competências – RSC  já consignado. Deve-se observar que a grande maioria dos candidatos aprovados nos novos concursos já são portadores de títulos em pós-graduação formal.

Será preciso reafirmar com toda a ênfase (o que já consta nas disposições finais e transitórias do projeto do ANDESSN) a necessidade de reenquadramento dos aposentados e pensionistas na posição relativa ao teto da carreira em vigor na data da sua aposentadoria.


Alguma outra consideração ou ponto que deseje abordar?

Toda a experiência de lutar por estruturação da carreira para aquelas/les que trabalham na educação informa que essa jornada implica necessariamente em confrontar os governos e vencer pela mobilização. Tanto na esfera Federal como nos Estados é ilusão imaginar que grandes avanços podem ser alcançados somente pela força dos argumentos, especialmente quando há repercussão orçamentária.

Mesmo depois da Constituição de 88, as burocracias instaladas no centro dos Executivos operam na perspectiva liberal do Estado pós “consenso de Washington”, centralizadora e privatizante.  Não aceitam as premissas da autonomia universitária e da indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão. Emblemas como a “caça aos marajás” de 1990, o ambiente de “quase mercado” de 1998, o “choque de gestão” de 2007/2010 e a PEC da “reforma do Estado” de 2020.... demonstram uma linha contínua nesse sentido.

Pauta e propostas concretas o movimento docente já tem.  Mas sem uma grande articulação entre as organizações do serviço público, comunicação com a sociedade e, principalmente, um forte chamamento das direções para a luta que pressupõe confronto... a base docente tenderá a não empenhar crédito na possibilidade de alteração do “status quo” e seguirá dispersa, tratando apenas individualmente de mitigar danos e contornar problemas.


Foto: Arquivo Assessoria de Imprensa ADUFPel 

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