Evento virtual reúne vozes da luta antimanicomial em Pelotas
Duas décadas após a promulgação da lei Antimanicomial, em abril de 2001, há pouco a se celebrar, mas muito o que combater. Os avanços trazidos pela legislação, que estimula a permanência da pessoa com transtorno mental em casa, acolhido pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), tem sido tensionados por graves sinalizações de retrocesso desde 2019 com a ascensão do governo Bolsonaro.
Para articular as vozes que se mobilizam pela luta antimanicomial e antimanicolonial em Pelotas/RS, acontece nos dias 14 e 15 de maio a 1ª Conferência Popular de Saúde Mental da cidade. Inteiramente virtual e gratuita, ela será transmitida pelo YouTube do Fórum de Defesa da Saúde Mental de Pelotas. A entidade, criada há poucos meses, reúne os esforços de uma série de entidades e movimentos sociais na busca por acolher denúncias, informar a população e cobrar o poder público.
Esta vigilância, mais do que nunca, se faz necessária. Em dezembro de 2020, em reunião com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e as Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), o Ministério da Saúde apresentou proposta para revogar cerca de 100 portarias editadas entre 1991 e 2014 que versavam sobre os programas de saúde mental. Entre o sugerido estava o encolhimento dos CAPs – o Centro de Atenção Psicossociais, que é a principal ferramenta de acolhimento para pessoas com sofrimento psíquico.
O resultado seria uma profunda desarticulação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), favorecendo o retorno a uma política manicomial. Manifestações contra o chamado “revogaço” fez a proposta arrefecer, mas orientação continua. Não por acaso, em fevereiro deste ano, o psiquiatra Rafael Bernardon Ribeiro foi anunciado como coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, da Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Um notório defensor da eletroconvulsoterapia (o “eletrochoque”) como tratamento.
Presidente da Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Pelotas, Claudionei Ferreira – que já esteve internado por três vezes – é categórico: “Manicômio não é tratamento, é tortura”. O que se precisa, ressalta ele, não é mais um dispositivo de internação, e sim mais investimento na RAP do município, medicamentos disponíveis nas farmácias do município e um pronto atendimento para os surtos psicóticos com funcionamento 24 horas.
Além disso, cobra preparo das forças de segurança. “Muitos colegas meus morreram porque entraram em surto e não houve preparo por parte da Brigada ou da Guarda Municipal”.
O Fórum
Para a professora Simone Magalhães, do Coletivo Infância Viva, o principal modo de mudar essa situação é informando a população. “Se as pessoas acreditam ainda no modelo manicomial, elas não vão fazer o levante social”. Foi com esse escopo que, em fevereiro de 2021, foi criado o Fórum Municipal de Defesa da Saúde Mental em Pelotas. A iniciativa foi gestada no Infância Viva, mas surge do trabalho conjunto de diversos movimentos sociais, que se reúnem para a Conferência anunciada.
Integrante do fórum e da Coletiva de Mulheres que Ouvem Vozes, Roberta Machado – que é enfermeira e professora do IFRS – reforça o mote da conferência, Voz do povo: em defesa do SUS e da Saúde Mental AntimaniColonial. “O termo é quase um trava-línguas, mas marca a colonização imposta pela política manicomial: um encarceramento sem observância das peculiaridades do indivíduo, com o uso de amarras físicas, químicas e psíquicas para docilizar os corpos e promover a segregação”.
Apesar de contra a medicalização da vida, Simone ressalta que isso não é sinônimo de ser contrária a utilização de medicamentos. Para ela, o fundamental é que sejam ministrados na dosagem adequada, para evitar deixar a pessoa dopada e sem consciência – e tem cobrado isso do poder público. Roberta ressalta: “É preciso encontrar uma dose em que a pessoa possa se manter produtiva. Não numa produção somente econômica, mas de afetos, de aprendizagens, de saberes”.
A própria associação presidida por Claudionei trabalha com a chamada GAM, Gestão autônoma da medicação. Um grupo de apoio onde se compartilha informações sobre os medicamentos prescritos, de modo que o indivíduo possa compreender o que está ingerindo e quais seus efeitos – positivos e colaterais.
O Evento
A 1ª Conferência Popular de Saúde Mental de Pelotas começa às 19h da sexta-feira (14), com uma abertura que contará também com a coordenação de Claudionei Ferreira . Em seguida, haverá a Mesa Redonda que carrega o tema do evento, com a presença de representantes de diversas instituições, inclusive a ADUFPel – na figura da professora Angela Vitória, do departamento de Medicinal Social.
No dia seguinte, a partir das 9h, ocorrem os grupos de trabalho. O primeiro será dedicado ao fortalecimento das RAPs, o segundo para discutir diversidade e saúde mental e o terceiro para debater infâncias vivas. Mais informações nas redes sociais do Fórum. Tanto Roberta Machado, quanto Simone Magalhães e Claudionei estarão no programa Viração desta segunda-feira (10), em podcast e na RádioCom às 13h30, para ampliar o debate sobre o evento.
Assessoria ADUFPel