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Notícia

Ex-Pajé é retrato 'ficcional' de um etnocídio documentado

Quando as luzes se apagam, o ex-pajé Perpera Suruí não consegue dormir tranquilo. O medo, entretanto, não vem do desconhecido - muito pelo contrário. Ele conhece os seres da mata, e sente o castigo dos espíritos que o açoitam durante a noite. Protestam contra o silêncio das flautas encantadas, enfurecidos com o avanço das igrejas evangélicas. Um culto, este que o antigo líder religioso se viu obrigado a abraçar.


"Depois que o pastor disse que pajé era do diabo ninguém mais falou comigo, viravam o rosto para mim", expõe Perpera no diálogo que sintetiza toda a problemática retratada no filme Ex-Pajé (2018), do diretor Luiz Bolognesi. Entrar também para a igreja, abandonando seu posto, foi a única alternativa possível ao isolamento social que se impunha.


Na cena em que revela esse momento de sua vida, tanto para seu interlocutor quanto para o público, Perpera está pescando com vara e linha às margens de um rio. Ao mesmo tempo, recorda que antes da conversão os espíritos do rio estavam tão presentes e ativos que tiravam os peixes do rio e entregavam aos montes nas mãos dos pajés. A recordação do passado encantado e livre,  torna o presente de escassez - mediado pelo contato com os brancos - um mero arremedo triste.


Silenciado, mas nunca verdadeiramente calado, Perpera observa ao longo do filme o desbastamento de sua cultura. Crianças jogando no celular enquanto ignoram os saberes dos antigos, orações fervorosas feitas na igreja para pedir perdão contra o pecado da existência. Sentado na soleira da porta durante a missa, nesse entrelugar de quem não está nem dentro e nem fora ao mesmo tempo, o ex-pajé parece demorar o olhar sob um enxame de abelhas que toma a árvore à frente. Na edição, o som diegético dos insetos se mistura com a ladainha das rezas, fazendo tudo parecer um zum-zum-zum indefinido. Com a câmera estática, acompanhando o rosto do personagem vivo, só podemos imaginar o que se passa em sua mente.


Estratégia discursiva

Percebemos, logo de início, que este não se trata de um documentário qualquer. Não apenas pela temática, socialmente impactante, mas pela linguagem. Não há depoimentos para a câmera, que permanece invisível aos personagens o filme todo. Bolognesi investe em longos planos estáticos - cheios de poesia e luz. Vez ou outra, alterna entre plano e contraplano para dar dinamicidade. Quem conhece de cinema entende que são tomadas intrincadas, que levam tempo e repetição, denotando a ficcionalidade de algumas cenas. 


O diretor, entretanto, não se furta em admitir essa fronteira. Não havia dramaturgia, mas um roteiro se desdobrava ao longo da convivência com os Paiter Suruí. O caminho encontrado foi justamente o da dualidade, não apenas do protagonista, mas da comunidade. Afinal, quando a medicina branca não dá conta, é ao ex-pajé que recorrem na busca pelos saberes ancestrais e pela força dos espíritos. Sua palavra tem força e respeito, como no passado. Entretanto, passada a crise, as graças são oferecidas novamente ao Deus estrangeiro. 


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