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Gênero, uma pauta inevitável

Matéria publicada no Voz Docente 4


Expressão ventilada por políticos conservadores, especialmente durante a campanha política de 2018, a assim chamada “ideologia de gênero” figurou até mesmo no discurso de posse do presidente Jair Bolsonaro. Acuado, o governante encontra nesse discurso cada vez mais radical e pouco específico uma estratégia para manter o apoio do núcleo duro do extremismo. 


Exemplo disso foi seu discurso em Terenos, Mato Grosso do Sul, no dia 14 de maio. "Se dependesse daquela minoria ativa de esquerda, teríamos hoje ideologia de gênero como uma regra no Brasil e outras coisas absurdas. Vocês sabem do que a gente está falando". O presidente não especificou, afinal, do que estava falando. É a abertura perfeita para o conspiracionismo que sustenta seu apoio.


Mais do que delírio, o discurso da imposição de uma “ideologia de gênero” serve de combustível para projetos políticos, estes sim, ideológicos, para censurar ou dificultar qualquer tipo de discussão de pautas ligadas a gênero, corporalidades e sexualidades nas escolas. O reforço a uma série de visões pré-concebidas de que educação sexual é erotizar a criança, e não protegê-la; ou de que discussão e entendimento pervertem a ideia de família.


Em 2020, a Justiça derrubou diversas leis municipais que barravam a pauta nos currículos escolares, transmitindo uma mensagem clara sobre a inconstitucionalidade desses processos. Vitória mais recente foi em Campina Grande/PB. A lei 6.950, de autoria do ex-vereador Pimentel Filho, foi sancionada em 2018, pelo então prefeito, Romero Rodrigues – ambos do PSD. 


Ela versava sobre a necessidade de proteger a família contra “material impróprio ou inadequado para crianças e adolescentes”, e especificava: “contenham imagens ou mensagens sexuais com conotação intencionalmente erótica, obscena ou pornográfica, material relacionado à ideologia de gênero”.


O não cumprimento da lei acarretava em notificação para retirada do material, multa de R$ 1 mil, suspensão do alvará de funcionamento ou até a instauração de uma sindicância para apurar as responsabilidades. Após três anos de abuso, a lei foi finalmente suspensa em 14 de abril de 2021, por ação impetrada pelo PT da Paraíba.


No Rio Grande do Sul, a cidade de Caxias do Sul chegou a ter um projeto de lei proposto pelo próprio prefeito. Daniel Guerra (PRB), que sofreu impeachment no ano seguinte, apresentou em dezembro de 2018 a proposta que pretendia proibir a construção, divulgação e apreciação de metrial que dispunha sobre "ideologia e/ou identidade de gênero" nas escolas municipais. 


Protocolado em regime de urgência, sua justificativa era de que os planos estadual e nacional da educação já haviam retirado as expressões "ideologia de gênero", "identidade de gênero" e "orientação sexual". Um exemplo de como os desmandos das instâncias de poder servem de inspiração para que ações semelhantes se repliquem. Para o político, o projeto garantiria liberdade de consciência, crença e de aprendizado pelos alunos. É a falta de liberdade sendo utilizada para defender liberdades. O projeto foi arquivado pela Câmara meses depois.


Já em Pelotas foi um vereador, Salvador Ribeiro (MBD), que apresentou PL semelhante. Na esteira do Escola Sem Partido, o projeto se estendia para além da questão curricular. Censurava também todas as formas de exposição do tema em locais públicos em eventos patrocinados pelo governo. Devidamente combatida por meio de mobilizações de diversos setores de luta, inclusive a ADUFPel, a proposta foi arquivada.


Educação

Em entrevista ao podcast Viração, a ativista e escritora Atena Rovena defende que, diante desse cenário de imposição da ignorância, cabe ao educador ir além da apostila. "É possível falar em gênero, em sexualidade, sem usar nenhuma dessas palavras. Não precisamos estar presos ao currículo".


Mulher trans, Atena encontrou na literatura e na poesia caminhos para discutir muito do que a academia  circunscreve ao seu próprio entorno. Para ela, a sua própria existência no mundo é uma forma de falar sobre gênero. A estratégia, então, seria tornar essas vozes diversas e plurais cada vez mais presentes na educação. Seja na forma de professores, mediadores, alunos e na produção textural e artística consumida. São formas de naturalizar as vivências.


Por sua vez, a professora da Escola Superior de Educação Física da UFPel, Eliane Ribeiro Pardo, não acredita em mascarar a discussão. Para ela estes temas precisam ser encarados de frente,  com os nomes que lhe são devidos. Há trinta anos como docente na Universidade, e tendo acompanhado a evolução da discussão sobre a pauta, ela é otimista: "Esse discurso obscurantista do poder vai passar, mas a gente continua".


Falar sobre o tema, lembra a professora, é falar de diversidade, mas também da violência motivada pelas questões de gênero. Nos primeiros meses de pandemia, entre março e abril de 2020, o número de feminicídios aumentou em 22% no Brasil. Até dezembro passado, estados como Mato Grosso, Amazonas tiveram aumento de até 73% no número de mulheres assassinadas. 


Já em um dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), descobrimos que o índice de pessoas trans assassinadas em 2020 aumentou em 41% em relação ao ano anterior. Silenciar, percebemos, não é uma opção.


Eliane foi uma das fundadoras do Núcleo de Gênero e Diversidade, o Nugen, na UFPel. E reconhece que o apoio institucional é fundamental. Em um contexto de Escola Sem Partido, em que alunos são incitados - às vezes pelos próprios pais - a gravar a expor professores que infrinjam o pacto conservador em nome da "moral e dos bons costumes", o educador fica desamparado sem o suporte da instituição. 


Cada vez mais professores e professoras precisam estar preparados para enfrentar estas questões. A própria Eliane, que vem dos estudos feministas, disse que precisou de envolvimento e dedicação para mergulhar nos estudos sobre a vivência trans. Nesse sentido, seus alunos e os diálogos que estabelecia com os mediadores foram também grandes ensinadores.


A professora é responsável por uma disciplina que, desde a sua criação, vem lotando turma atrás de turma em tempo recorde. Trata-se de "Corpos, Gêneros e Sexualidades", hoje ministrada virtualmente devido à pandemia. Na pauta,  movimentos feministas e LGBTs, teoria queer e, claro, o gênero enquanto construção social, num entrecruzamento entre referências científicas e vivências.


Entre os temas dos encontros estão estudos sobre transgêneros, feminismos, padrões corporais, lutas LGBTs, cinema queer, gordofobia, novas masculinidades, redução de danos, hormonização, ativismo, mulheres e religiosidade, casas de acolhida, feminismo negro, mulheres e treinamento físico e assim por diante. Os conteúdos são desenvolvidos através de atividades teóricas e práticas, exposição, debates, aulas abertas, roda de conversa, material visual, mesa redonda com participação de convidados. 


Para a professora, são espaços de "desmanche constante de territórios existenciais, lugar por excelência de experimentação de desconfortos". No entanto, a busca é sempre pela construção de um ambiente em que todos se sintam seguros para exercer a dialogia e o encontro. Estar desconfortável é característica inicial para o aprendizado.


Assessoria ADUFPel


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