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Notícia

O trabalho docente em tempos de produtivismo, plataformização, cortes de verbas, “Novo” Ensino Médio e corrosão salarial

Desde a ditadura empresarial-militar, a estrutura e a organização das instituições públicas de ensino têm sido pautadas pela lógica do capital, com manipulação de conceitos como: eficiência, produtividade e competitividade. Na década de 1990, isso se intensificou. A educação brasileira passou por grandes transformações, impactadas pela reestruturação produtiva, consequente de políticas neoliberais que até hoje afetam a concepção de ensino e têm sido responsáveis pela reconfiguração do trabalho docente. 


Estabeleceram-se novas demandas que contribuíram para o avanço da precarização, pautadas pela lógica do capital. Hoje colaboram para esse cenário: cortes de recursos, políticas de vagas docentes e discentes, terceirização das atividades de apoio, plataformização, contrato por projeto, desvalorização do regime de Dedicação Exclusiva, corrosão salarial, entre outras. 


Para Amanda Moreira da Silva, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), doutora em Educação e especialista em políticas públicas em espaços escolares, essa é uma pauta importante de ser debatida, pois o/a professor/a do ensino superior, muitas vezes, considera que a precarização não o atinge da mesma forma que aos/às demais trabalhadores/as da educação. “Não significa que o docente do ensino superior da educação pública concursado, com doutorado, que tem uma carreira profissional, não esteja também com seus salários reduzidos, com seu padrão de vida caindo cada vez mais, inserido numa lógica também insana do produtivismo dentro das universidades”. 


Nesse contexto de acirramento da precarização, professores e professoras têm lidado com exigências de desempenho que os sobrecarregam e debilitam tanto a saúde física quanto a mental. Amanda pontua que, quando se fala em saúde do trabalhador, não se pode entender esse processo analisando apenas seus efeitos. É fundamental compreender o que está acontecendo com o mundo do trabalho em tempos de devastação do capital. 


Sobrecarga e mecanismos de avaliação

A sobrecarga de trabalho e os mecanismos de controle, como o sistema de avaliação docente, são fatores que potencializam esse panorama de precarização e adoecimento. 


Conforme frisa a professora da UERJ, a avaliação é realizada pelos/as próprios/as trabalhadores/as em um contexto de produção exacerbada, muitas vezes para se manter em algum cargo, para conseguir avançar na carreira ou conquistar uma bolsa de pesquisa, o que atravessa, principalmente, aqueles ou aquelas que atuam na pós-graduação. 


“Tudo isso tem gerado uma competitividade muito grande entre os pares - que também é motivo de adoecimento dos trabalhadores - uma sobrecarga de trabalho, a cultura workaholic. Hoje, a gente pode trazer também para o ensino superior, porque essa cultura do vício no trabalho, do trabalho a todo tempo, para produzir, para publicar, para ter que dar conta de mil e uma tarefas, tem também gerado esse processo de adoecimento, a Síndrome de Burnout, a exaustão profissional e outras doenças psíquicas”.  


Isso, de acordo com Amanda, integra a visão da educação como mercadoria, de que precisa ser aferida por índices externos ou haver o produtivismo para que a ciência seja feita. São demandas que necessitam ser revistas, para a construção de uma educação que siga por um outro caminho que não seja o de “moer” trabalhadores/as.  


Corte de verbas

Os cortes orçamentários que vêm estrangulando as instituições federais também pioram as condições e relações de trabalho de docentes federais, pois impossibilitam o desenvolvimento pleno das atividades de ensino, pesquisa e extensão.


Para analisar essa política de sucateamento, Amanda Ramalho traz à tona o marco da década de 1990, quando o neoliberalismo avançou no país e atingiu em cheio a classe trabalhadora e o setor público. Naquele momento, a lógica gerencialista imperou, do “fazer mais com menos” e tratar investimentos na educação como “gastos”. E, até hoje, tem sido muito nefasta. 


Os contingenciamentos nas instituições públicas, conforme salienta, ocorrem desde então, com períodos de interrupção, mas não de ruptura. Em uma conjuntura mais recente, eles passam, inclusive, a imperar de uma forma muito mais avassaladora. Somam-se aos cortes a Emenda Constitucional 95, responsável pelo congelamento dos investimentos públicos sociais por 20 anos, e outras reformas que aprofundam os ataques aos/às servidores/as públicos/as da educação. 


Por isso, enfatiza: “Eu acho que, hoje, é fundamental que a gente avance nesse debate. Não estamos em um contexto tão favorável ainda. É um pouco melhor que o anterior, mas que precisamos, de fato, colocar as lutas necessárias e garantir maior recurso para a educação, para que a gente também consiga avançar na educação de qualidade que nós defendemos, e não essa que está aí hoje”. 


Plataformização da educação

Outra questão urgente, e que contribui para a superexploração e precarização do trabalho e do ensino, é a plataformização da educação. De acordo com Amanda, que vem estudando o conceito em seu pós-doutorado, o crescimento desse tipo de educação “vendável” é um processo avassalador no ensino superior privado, mas que passa também pelo setor público, promovendo mudanças de organização, controle e gerenciamento do trabalho. 


Segundo a professora, o problema central do ensino remoto emergencial, que chegou como uma alternativa às universidades e institutos federais durante a pandemia, em 2020, é que ele se tornou permanente e foi naturalizado, pois esse é o objetivo do capital, do Banco Central, dos governos e das Big Techs. 


“Com o retorno do [ensino] presencial a partir de 2022 nas instituições de ensino superior públicas, o remoto não deixou de existir, muito pelo contrário. Então, hoje, nós estamos lidando com o ensino presencial e o remoto de diversas formas”. Ela cita como exemplo a ampliação da possibilidade de docência ubíqua, sem limite de tempo e espaço, e avalia isso como extremamente prejudicial ao trabalho, o qual precisa de concentração e foco. 


Para ela, esse é um tema recente que precisa ser visto com muita atenção. “A gente não tem ainda as consequências devastadoras desse processo a médio e longo prazo, tanto para o nosso trabalho quanto para nossa saúde, e precisa, mais do que nunca, debater isso”, reforça. 


“Novo” Ensino Médio

A docente avalia que o “Novo” Ensino Médio é, atualmente, a pauta de luta mais urgente no contexto da educação brasileira e a pá de cal da precarização, pois a medida é nefasta em todos os seus aspectos, por isso não cabe a ela revisões ou alterações pontuais. “Nós precisamos revogá-lo, de fato, porque essa reforma de conjunto é péssima. O ‘Novo’ Ensino Médio precisa ser entendido dentro de um pacote de reformas que são extremamente perniciosas para a classe trabalhadora, os estudantes e os futuros trabalhadores”.

O modelo, que é considerado um grande retrocesso na aprendizagem de crianças e jovens, preocupa também educadores/as universitários, pois sua continuidade pode significar maior dificuldade de estudantes de escolas públicas em acessar às instituições de ensino superior.  


O projeto também abre portas para que setores do capital financeirizado ocupem mais espaço na educação, ao permitir que parte da volumosa carga horária seja oferecida de forma remota. Por isso, Amanda ressalta que é fundamental entender o objetivo desses setores: implementar a modalidade nas escolas porque nas universidades privadas, em parte, já se esgotou. 


Corrosão salarial 

A desvalorização da carreira docente é um dos pontos centrais desse processo de precarização. Os/as servidores/as públicos/as federais passaram o período de 2016 a 2023 sem recomposição salarial. Recentemente, conquistaram o reajuste de 9%, valor que não chega perto do necessário para cobrir as perdas que ultrapassaram 27%. 


Ainda, a remuneração do/a docente federal está muito depreciada, se comparada a de outras categorias do serviço público federal. O salário inicial de um auditor fiscal da Receita Federal, por exemplo, é cinco vezes maior. Para chegar a algo aproximado, serão necessários cerca de 20 anos ao/à professor/a. Isso se tiver doutorado, trabalhar em regime de Dedicação Exclusiva e cumprir com os requisitos que garantam a progressão constante.


Importância da organização sindical 

Marco Antonio Perruso, professor de Sociologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que pesquisa a cultura política brasileira vinculada ao mundo do trabalho e das classes populares, avalia que a superação dos retrocessos, ocorridos nos últimos anos no mundo do trabalho, passa, principalmente, pela organização sindical e mobilização coletiva. 


“O mundo do trabalho, por mais multifacetado, variado, mais ou menos precarizado que seja, envolve exploração. E as nossas capacidades coletivas é que vão dar uma resposta para isso”. Neste sentido, considera ser fundamental ter uma postura de vigilância, cobrança e ação, pois as conquistas até o momento foram fruto de muita luta, não dádivas do Estado ou de patrões. 


Com outras pautas surgindo, ele acentua que a classe trabalhadora não pode ficar em uma posição acomodada ou reativa, e, nesse sentido, o/a docente deve se entender como integrante dela. “Muitas vezes, nós nos vemos como uma uma espécie de inteligência das políticas públicas, de que o professor universitário cuida do Brasil e dos interesses de todos, como se isso fosse possível numa sociedade capitalista. Nós somos parte da classe trabalhadora com todos os outros setores. E esse é um momento, inclusive, de vermos isso nas eleições do ANDES-SN, de que tipo de categoria docente nós vamos ser”. 


Em sua percepção, nos últimos anos, boa parte da classe trabalhadora deixou de se mobilizar via sindicatos. Isso aconteceu, conforme reflete, devido a várias razões, sendo uma delas o ciclo de gestões do Partido dos Trabalhadores (PT). “Os governos que, de certa forma, apassivaram a classe trabalhadora em grande medida, especialmente os trabalhadores menos pobres, mas também parte dos mais pobres, tornando-os clientelas de políticas públicas, que são todas fundamentais, mas essa oferta veio acompanhada de uma ideologia de um Estado protetor, cuidador, que parece que pode dispensar a mobilização dos trabalhadores e das classes populares”. 


Matéria especial publicada na segunda edição de 2023 do jornal Voz Docente. Confira aqui


Assessoria ADUFPel

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