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Os desafios de negros e negras na universidade

Novembro é considerado o mês da Consciência Negra, marcado no Brasil pelo dia 20, que faz referência ao assassinato do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi. A data foi construída em contraponto ao 13 de maio e lançada nacionalmente em 1971 pelo grupo Palmares, de Porto Alegre. Hoje, o 20 de novembro, além de trazer o debate sobre o enfrentamento ao racismo, também tornou-se um momento de celebração da cultura, do conhecimento, da existência e resistência do povo negro. 


Miriam Cristiane Alves, professora do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cita como exemplo disso a Marcha Mestra Griô Sirley Amaro, que acontece aqui em Pelotas, cujo formato traz a perspectiva civilizatória e marca a identidade, o pensamento, a luta de negros e negras. Além disso, o dia também agrega um conjunto de pautas pela equidade entre as pessoas e pela possibilidade de viver a partir daquilo que cada um acredita e se constitui enquanto perspectiva civilizatória de fato. 


Apesar de todo movimento em torno da conquista de direitos e em busca por reconhecimento, respeito e igualdade, quando falamos em acesso e permanência desta população nas instituições de ensino, podemos perceber inúmeros desafios enfrentados diariamente pelos/as estudantes, principalmente as e os oriundos das políticas de ações afirmativas. A lei nº 12.711/2012 garantiu que 50% do total de vagas nas universidades e institutos federais fossem reservadas para alunos/as que vieram de escolas públicas, e, inicialmente, não fez o recorte de raça, evidenciando o racismo do nosso país que, após dez anos de implementação, ainda não compreendeu a importância de uma política afirmativa voltada para as pessoas negras. 


“Nesses últimos dez anos, nós temos uma mudança importante no perfil da estudantada que frequenta as universidades públicas, fundamentalmente federais e também as estaduais que implementaram essa política. Mas isso é apenas o início de um processo, porque o que a gente passou também a observar é que esses corpos pretos, ao circularem pelo espaço de ensino, ao mesmo tempo que isso aumenta a possibilidade de construção de outros tipos de pesquisa e de estudo, também aumentou o ódio contra o nosso povo. Então quer dizer, aquilo que a gente sempre vivenciou, que é o enfrentamento de um olhar de reprovação, de um olhar de ódio mesmo, frente a nossa presença em determinados locais, se potencializou, principalmente no cenário político dos últimos anos”, afirmou a professora.


Diante de todas as mudanças ocorridas na última década, os espaços acadêmicos ainda não enfrentam tais problemas de maneira satisfatória, levando em consideração o adoecimento desses alunos e alunas que, na maioria das vezes, não encontram espaços de escuta e acolhimento. Nesse contexto, os coletivos negros desempenham um papel fundamental. Na UFPel, por exemplo, a setorial de negras e negros foi essencial no enfrentamento e combate das fraudes no curso de Medicina. Outra questão importante, apontada por Miriam é o adoecimento dos e das estudantes da pós-graduação, que muitas vezes querem trazer outros referenciais para suas pesquisas e esbarram numa perspectiva hegemônica do pensamento eurocêntrico e na falta de disponibilidade de alguns docentes de orientar esses trabalhos, perpetuando a falta de pluralidade de pensamentos. 


De acordo com a docente, todas essas problemáticas são fruto do descaso do Estado e a não implementação de políticas estruturais de enfrentamento ao racismo, em que ele esteja na centralidade do debate em todos os âmbitos: na saúde, na educação, na segurança, no saneamento, etc. “A gente precisa pensar tudo que constitui a nossa sociedade, todas as áreas do conhecimento, e o enfrentamento ao racismo precisa passar por todos eles. Então, não é a partir de concessões que a gente vai fazer uma mudança estrutural da nossa sociedade”, enfatizou.  


Mulheres negras dentro da universidade 

Embora a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada em 2019, tenha apontado que atualmente o maior grupo dentro das instituições públicas é formado por mulheres negras, é preciso olhar com muito cuidado para esses dados. É perceptível um ingresso significativo de mulheres, mas quando observamos a permanência e a continuidade dessa formação, elas vão reduzindo consideravelmente, tratando-se de mulheres negras e trans, essa redução é ainda mais evidente. 


O reflexo disso é a sobrecarga dessas mulheres, que muitas vezes são as únicas atuando em seus cursos. “Eu sou convidada para muitas bancas de várias universidades de todo o país, de mestrado, de doutorado, de qualificação, não importa o nível. E vou te perguntar: eu consigo? É óbvio que não, não tem como. Esses dias eu tava com uma outra colega contando quantas de nós somos mulheres negras na pós-graduação em Psicologia, eu acho que não fecha uma mão. Isso precisa mudar”, destacou a professora. 


Para modificar esse cenário, é necessária uma mudança estrutural, que considere todas as áreas, pois sempre que vivenciamos um período de retrocesso as primeiras a sentirem a ausência dessas políticas são as mulheres negras e isso ficou explícito na pandemia. 


Miriam finaliza dizendo que: “mesmo diante de todas essas adversidades, diante de todo ódio, preconceito e racismo, a população negra constrói as suas rotas de fuga, para escapar de toda essa violência e se manter resistindo, existindo e marcando a sua presença nessa sociedade. Nós estamos aqui, nós vamos permanecer aqui e sempre em luta”. 


Ouça a entrevista completa com a Professora Miriam no Programa Viração #151 disponível no site e nas plataformas digitais da ADUFPel (Spotify, Anchor e Apple)


*Matéria publicada no Jornal Voz Docente - Edição de dezembro

Assessoria ADUFPel

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