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Reforma Agrária Popular para a transformação social

Publicado no jornal Voz Docente n. 8/2021


O Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo e que possui os maiores latifúndios. Esse acúmulo passou a existir no período colonial, no século XVI, quando iniciou a exploração agrária a partir da monocultura para exportação sustentada pelo trabalho escravizado. Com o controle da terra pelos colonizadores, foram, também, estabelecidas as raízes da desigualdade social que permanecem até hoje. 


De acordo com o último Censo Agropecuário brasileiro, de 2017, cerca de 1% dos proprietários de terras controlam quase 50% da área rural. Uma realidade que, segundo o Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Rurais Sem Terra, ilustra o tamanho da expropriação realizada pelo projeto colonial, e ao longo dos séculos, tomada pelo capitalismo e imperialismo, com consequências políticas, econômicas, sociais e ambientais na construção histórica do Brasil e América Latina. 


Não há como falar em terra, sem tratar de todas as suas implicações sociais para o desenvolvimento do país, e não há como falar em terra, democracia e sociedade sem debater a Reforma Agrária Popular. De acordo com Gabriel Barcellos Nunes, mestrando em Educação pela UFPel, professor nas redes municipal e estadual de Piratini e integrante do Coletivo de Educação do Movimento Sem Terra (MST), a Reforma Agrária Popular está vinculada a um projeto de transformação social. 


Segundo ele, a Reforma Agrária Popular ultrapassa as questões produtivas. “A Reforma Agrária não deixa de ser a sua função primeira do seu acesso à terra e garantir a democratização da terra, que é uma luta dos movimentos sociais, do MST e da Vila Campesina, mas vai além disso, com a produção de alimentos saudáveis, proteção ao meio ambiente e, nesse processo todo, o enfrentamento à lógica capitalista”. 


Nela, ainda, se disputam novas relações humanas, sociais e de gênero, que incluem a luta contra os preconceitos, a LGBTfobia, o machismo, a garantia do acesso à educação e à cultura. É um modelo agrícola que vai além dos assentados, das comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas e atingidos por barragens. Ele atinge a sociedade como um todo. Por isso, Gabriel frisa que é urgente a contraposição ao modelo que nós temos vivenciado até a atualidade.


Para a docente da Faculdade de Educação da UFPel, Vania Grim Thies, que atua na área da Educação do Campo e integrou a organização da VIII Jornada Universitária em Apoio à Reforma Agrária (JURA) - projeto de extensão da Universidade que ocorreu entre os meses de agosto e outubro - a Reforma Agrária Popular combina a distribuição justa da terra com a instalação de outras formas de planejamento do trabalhador do campo, que seguem a premissa da pedagogia socialista “terra para quem nela trabalha” e vai além.


“Também, a educação formal para as crianças e os jovens desde a educação infantil até a universidade. Nós temos várias universidades com cursos de Educação do Campo, com a pedagogia da alternância, e a superação do analfabetismo dos trabalhadores adultos. Ainda, as manifestações culturais das localidades do meio rural, os hábitos alimentares, as músicas e as celebrações culturais e religiosas. 


Tudo isso abrange esse projeto de desenvolvimento do campo, ou seja, é uma contraposição à forma capitalista de trabalho, de concentração de terras”, explica a professora. 


Campo e cidade 

Além disso, a Reforma Agrária Popular busca construir relações políticas com os movimentos urbanos. Conforme ressalta Vania, é um projeto que leva esperança de uma vida digna para todos os trabalhadores e trabalhadoras não só do campo, como também da cidade. Nesse sentido, ela deixa de ser de interesse apenas das populações rurais e se transforma numa necessidade do conjunto da sociedade. 


“Nós precisamos de campo e cidade pensando em conjunto. Temos que ter essa interdependência. Eu gosto muito da palavra território como identidade e, quando a gente começa a perceber o campo como território, a gente consegue entender essa defesa pela vida e isso não é possível se nós trabalharmos só com as pessoas do campo”. 


Segundo Gabriel, é a partir do campo que se relacionam também os trabalhadores urbanos com a produção de alimentos saudáveis e a preocupação com a melhoria da qualidade de vida. “O MST mostrou muito isso durante a pandemia, um outro ponto importante que é a luta contra a fome. Mostrou com a distribuição de comidas e alimentos saudáveis em várias partes do país e fez muito mais do que grandes multinacionais e proprietários de terra”, aponta. 


Para ele, a relação entre campo e cidade começa, essencialmente, pela questão da produção de alimentos saudáveis, mas que perpassa também pela justiça social e luta pelos direitos dos trabalhadores em geral. Ele comenta que isso já é uma realidade e movimentos urbanos têm se somado aos movimentos sem terra e do campo para essa discussão de que tipo de sociedade queremos e como lidar com as diferenças para constituir a vida com respeito ao próximo e ao meio ambiente. 


Retrocessos

O governo Bolsonaro tem tomado uma série de medidas contra a Reforma Agrária e a agricultura familiar. Não há mais desapropriação, há sucateamento de departamentos e programas como o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), entre tantos outros. Além disso, o Estado brasileiro criou ainda mais condições para o agronegócio se desenvolver. 


Esses retrocessos e a dimensão que vêm ocupando, conforme confidencia a professora Vania, não deixam outra alternativa senão fortalecer a luta em defesa da vida e de tudo que foi construído até então. “Isso agrava cada vez mais a pobreza e tudo que ela sinaliza. Traz um conjunto de aspectos que nos fazem ficar mais atentos por uma Reforma Agrária Popular. Se a gente está falando aqui da defesa da vida, as políticas do governo Bolsonaro vão na contramão do que a gente está dizendo até agora, vão no retrocesso”. 


Gabriel avalia que o governo Bolsonaro tem sido uma tragédia, que principalmente afeta a camada pobre do país e que terá consequências a longo prazo. “Cada vez mais o governo vem aparelhando tanto as instituições quanto todos os espaços para que apenas beneficie única e exclusivamente ao capital, aos detentores do dinheiro neste país”. 


Para ele, a lógica seguida pelo governo é contrária a toda política que veio sendo implementada até então para as populações camponesas, quilombolas, indígenas e em relação ao meio ambiente. “Ainda tem um restinho de alguns programas que vêm acontecendo com muita dificuldade, que eram herança dos governos anteriores, mas não existe nada proposto por este governo. (...) Tem sido um período muito difícil.  Esperamos que a sociedade consiga entender o mal que nós estamos fazendo para todo o processo de avanço que nós vínhamos construindo”. 


Algumas das questões mais preocupantes têm sido o avanço do agronegócio e de que forma a agricultura familiar vem sendo deixada de lado nesse processo. “Cada vez menos tem existido legislação ambiental que respeite os territórios, e há um avanço desenfreado das multinacionais. Foi aprovado, há pouco tempo, inclusive, a possibilidade de aumento das cotas do capital estrangeiro”, denuncia Gabriel e faz um apelo: “É preciso e é importante que tenham espaços em que se possa falar sobre Reforma Agrária Popular e do campo como território de vida, de uma construção, de uma transformação social a partir dos trabalhadores rurais e associados juntos aos trabalhadores urbanos”. 


Assessoria ADUFPel

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