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Reuni Digital amplia a precarização do ensino público superior

Assim como se aproveitou da situação de anormalidade instituída pela pandemia para retirar direitos dos trabalhadores/as e promover retrocessos em diversas áreas, o governo Bolsonaro não agiu diferente tratando-se da educação pública superior. Ao executar um projeto de enfraquecimento das universidades e institutos federais com excessivos cortes orçamentários, busca, também, acelerar a mercantilização e a precarização dessas instituições com o Reuni Digital. 


O terreno para ele já havia começado a ser preparado há bastante tempo. Em dezembro de 2019, o Ministério da Educação (MEC) publicou a Portaria 2.117/2019, que autorizou as Instituições de Ensino Superior (IES) a ampliar para até 40% a carga horária de Educação a Distância (EaD) em cursos presenciais de graduação. Já os trabalhos de elaboração do Plano de Expansão da EaD nas Universidades Federais, chamado de Reuni Digital, iniciaram em 2020, por meio da Secretaria de Educação Superior, em parceria com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, mas foi em 2021 que a proposta preliminar foi divulgada, trazendo como título “Reuni Digital - Plano de Expansão da EAD nas IES públicas federais”. Em 2022, no dia 20 de junho, uma nova versão foi apresentada. 


A justificativa utilizada para a defesa do projeto é o cumprimento da meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE), que estabeleceu em 33% o percentual de matrículas para a população de 18 a 24 anos (taxa líquida) e em 50% para a população em geral (taxa bruta) até o ano de 2024. O Reuni Digital prevê que seja assegurada a expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público. 


Contudo, conforme alerta Mauro Titton, professor do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenador do Grupo de Investigação em Política Educacional Marx/UFSC, a maneira como foi apresentado não demonstra, de maneira elucidativa, quais são todas as suas intenções. Por isso, é necessário analisá-lo além da sua proposta formalizada, levando em conta o conjunto das medidas que têm sido tomadas para a educação superior no Brasil e em especial para as instituições públicas. 


“O Reuni Digital está no contexto do Future-se, da implementação do ensino híbrido, da curricularização da extensão, de uma série de medidas que estão mais evidenciadas nos cortes do orçamento das instituições públicas e o direcionamento desse orçamento para as instituições privadas, que visam destruir o contexto que a universidade pública brasileira se firma e refuncionalizá-la”, discorre. 


Ensino, pesquisa e extensão 

A intenção do programa vai além da ampliação da oferta de cursos EaD, segundo Titton. Uma das principais aflições em relação a ele é referente ao ataque direto ao tripé indissociável da universidade, buscando romper com o conceito que se estabeleceu na Constituição Federal de 1988. Isso aconteceria por realizar mudanças na carreira docente, como a contratação de tutores de professores e de funções similares, que promoveria um rompimento com as condições que são necessárias para garantir essa integração. 


Em relação à extensão, ele afirma que o programa busca a sua reconversão, com a oferta de materiais plataformizados, customizados, para diferentes áreas, que seriam abertos e acessíveis ao público geral. Na área da pesquisa, o projeto altera a noção do que é o desenvolvimento da pesquisa básica, teórica e que exige estrutura, investimento e qualificação para uma nova dimensão de aquisição de informações. 


“O que nós já demonstramos, pelo estudo das próprias instituições públicas, é que inviabiliza a contribuição do trabalho, do ensino, da pesquisa e da extensão, para o desenvolvimento de um projeto autônomo de país, o que nós esperamos de contribuição efetiva da universidade para o desenvolvimento de uma sociabilidade que não esteja calcada nessa barbárie que tem sido a vida neste último período. Intensificada, mas que não tem a sua origem nesse último período, que tem uma continuidade histórica”. 


Educação pública a serviço do mercado 

Mauro adverte, também, que o Reuni Digital busca criar condições para o apagamento das fronteiras entre as instituições públicas e as privadas, demandada pelos grandes grupos econômicos que atuam com a venda de certificação na educação superior, que já abarcam praticamente 50% de todas as matrículas nos cursos e buscam inserir, a partir da discussão do uso das tecnologias, uma nova concepção de formação, a qual ele denomina como “eadização” da educação superior. 


Isso, para Titton, indica qual é o objetivo central: “adequar as universidades brasileiras a uma nova função para que se integrem no grande mercado internacional, dominado pelos grupos econômicos que hoje concentram, só entre as dez maiores empresas que atuam na educação superior, 40% das matrículas. Em 2016 apenas cinco desses grupos concentravam cem mil matrículas a mais do que todas as instituições públicas juntas”. 


Ensino híbrido 

Outra dimensão que se relaciona a isso, de acordo com ele, engloba a revogação de um decreto de 2017 que institui a Educação a Distância como uma modalidade da Educação Nacional. “A ideia é exatamente apagar essa noção da EaD como uma modalidade para que todos os cursos universitários se tornem híbridos ou mediados por tecnologias, o que coloca no horizonte a extinção massiva de todos os cursos presenciais das instituições”. 


O que está previsto, com proposições como essa, é a desconsideração do papel fundamental que a presencialidade exerce para o desenvolvimento do conhecimento, em especial o científico. O docente ressalta que esta é uma questão que se conecta a outras medidas que fortalecem essa perspectiva, como a curricularização da extensão que se tornou uma recomendação, com um caráter quase de obrigatoriedade, para que 10% da carga horária de todos os cursos de graduação se tornem atividades flexíveis dentro dessa ideia da curricularização da extensão. 


“É uma questão de lógica formal para você compreender que, se você colocou 40% ou 20%, ou qualquer percentual de carga horária curricular obrigatória em cursos de graduação ou pós- -graduação através do EaD, você não tem mais cursos presenciais. Você passa para uma modalidade que é ou semipresencial ou você passa, na nova terminologia que tenta esconder essas intenções, a ter cursos híbridos”, salienta. 


Promoção da exclusão 

“Talvez, a ironia mais fina que a gente encontra na proposta, em especial no caderno quatro dessa proposição, é exatamente a tentativa de fazer um uso de que os estudantes mais pobres são os que seriam mais beneficiados por propostas como essas de expansão da educação via EaD e na forma extremamente rebaixada como isso está sendo proposto”, aponta Mauro. 


A exclusão da camada mais pobre da população seria inevitável. Isso se dá pela falta de condições tecnológicas das instituições públicas de ensino para o desenvolvimento do ensino a distância com um mínimo de qualidade, situação que foi evidenciada durante a pandemia. Além disso, o acesso à internet no Brasil ainda é bastante desigual. Um estudo do Instituto Locomotivas e da empresa de consultoria PwC identificou que 33,9 milhões de pessoas estão desconectadas e outras 86,6 milhões não conseguem se conectar todos os dias. 


Esse grupo de pessoas “desconectadas” representa 20% da população brasileira com mais de 16 anos, formado, principalmente, por negros, que integram as classes C, D e E, que são menos escolarizadas, refletindo a brutal desigualdade que assola o país. 


ADUFPel aprofunda debate 

No dia 10 de agosto, a ADUFPel recebeu sindicalizados/as, em sua nova sede, para uma roda de conversa com o objetivo de aprofundar o debate sobre o Reuni Digital. Para a presidenta da entidade, Regiana Wille, se concretizado, o programa vai resultar em uma espécie de telecurso, com a desculpa de que os estudantes que não conseguem frequentar presencialmente a universidade teriam a oportunidade de estudar. 


Segundo ela, proporcionar o debate sobre o assunto não é se colocar contra a utilização das tecnologias e sim entender que elas podem colaborar com o conhecimento, desde que a autonomia e as especificidades de cada área e de cada curso sejam respeitadas, levando sempre em consideração o tripé da universidade, que é o ensino, a pesquisa e a extensão. 


“Essa discussão se mostra muito importante porque não é assegurada a qualidade da oferta de expansão. Essa desculpa de ampliação do ensino superior, que historicamente tem sido excludente e restrito, não pode ser cumprida de qualquer modo, com prejuízo para as universidades plenas e o rebaixamento das exigências de uma educação superior qualificada, que a gente defende ser presencial”. 


Assessoria ADUFPel


Imagens: AdobeStock


Matéria publicada na quinta edição do jornal Voz Docente. Leia aqui.



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