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Rio Grande avança na luta antimanicomial e inaugura 30 leitos de saúde mental na Santa Casa

A luta antimanicomial deu um passo importante na cidade de Rio Grande (RS). No dia 14 de abril, o Hospital Geral da Santa Casa do município inaugurou uma nova ala de saúde mental com 30 leitos. A conquista é resultado de uma mobilização de muitos anos, que culminou também no fechamento do Hospital Psiquiátrico Vicenza Maria da Fontoura. 


O espaço da nova ala, de 714 m², cumpre todas as exigências e protocolos da política nacional de saúde mental, que prevê o cuidado humanizado e integrado à comunidade. Nela, os/as pacientes terão acompanhamento integral, com um atendimento multidisciplinar, inclusive com a participação das famílias.


Os novos leitos foram reformados com recursos do hospital, custeados por meio do “Assistir”, programa do governo do estado para incentivos hospitalares, com a transferência do capital que antes era destinado ao Vicenza, acrescidos de R$ 76,5 mil mensais pela unidade passar a funcionar.


Pelo fim de manicômios 

Segundo Claudionei Fernando, militante da Reforma Psiquiátrica, presidente da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Pelotas e coordenador da Comissão de Saúde Mental, vinculada ao Conselho Municipal de Saúde, a abertura de novos leitos e o encerramento das atividades do Vicenza Maria vêm para reafirmar que o país não precisa mais de hospitais psiquiátricos.


Ele conta que já esteve internado em um, mas está recuperado graças ao tratamento recebido nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Por experiência, defende que o cuidado seja em liberdade e não em locais que violam os direitos humanos e promovem maus tratos. “É uma prova de que as coisas funcionam no Centro de Atenção Psicossocial, não no hospital psiquiátrico, que ganha investimento dos governos federal, estadual e municipal e não faz o seu papel. Então, nós temos que seguir militando cada vez mais porque o retrocesso e o desmonte estão aí. Temos que parar de mandar dinheiro para manicômios, hospitais psiquiátricos e Comunidades Terapêuticas e investir na RAPS [Rede de Atenção Psicossocial] do município, nos Centros de Atenção Psicossociais, porque eles é que vão resgatar o usuário para a sociedade”, aponta. 


Fernando comenta que, a exemplo do que ocorreu em Rio Grande, espera que o mesmo também aconteça em Pelotas. Por isso, exalta a importância do papel desempenhado pela articulação dos movimentos sociais, Conselho de Saúde, grupos condutores, ouvidores de vozes e tantos outros. “Aqui, em Pelotas, nós temos um Hospital Psiquiátrico privado que é referência para a rede no município, algo que a gente não gostaria de ter, mas infelizmente tem”. 


Humanização e inclusão

Conforme salienta a integrante do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, Francisca Mesquita Jesus, este é um passo visto com satisfação e alegria por aqueles que batalham contra instituições que atuam com métodos arcaicos e medievais, e traz uma nova perspectiva humanizada e inclusiva, respeitando os corpos, principalmente de negros e negras - parcela da população que mais sofre de adoecimento e transtornos de cunho mental em função de uma conjuntura de violências.   


“Há toda uma estrutura de violência e de racismo institucional dentro dos espaços, não só os manicomiais, que acaba adoecendo muito mais os corpos negros. (...) Não que essa abertura [de leitos] vá significar, efetivamente, o fim do racismo institucional no âmbito da saúde. Isso é um passo para que a família acompanhe de perto o tratamento e que possa, também, auxiliar nesse combate ao racismo institucional”, ressalta. 


Segundo Francisca, ampliar a participação da família, de entender como funciona o processo, podendo, inclusive, relatar da melhor forma o que se passa para a equipe especializada, é primordial. “Essa abertura dos leitos é o tratamento humanizado, é o olhar com uma equipe especializada - que a gente espera que tenha - de profissionais preparados para a administração de crise, para informar a família do que está acontecendo, de como identificar possíveis gatilhos e como agir no tratamento daquela pessoa, ou temporariamente ou de maneira mais permanente, de que ela precisa de cuidados na área mental”. 


A integrante do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, que acompanhou o progresso em Rio Grande, recorda que quando se fala em abertura de um leito está se fazendo referência, na realidade, a uma luta antimanicomial e de combate às violências instituicionais de mais de 30 anos no RS, que garantiu a Lei da Reforma Psiquiátrica.  


“São processos que nascem, primeiro, de identificar quais são as violências mais recorrentes, de apontar elas de maneira institucional e de fazer um levantamento expressivo com dados e números, para que se tenha um peso relevante quando a gente exigir que as políticas públicas sejam pensadas, elaboradas, aplicadas a nível de Lei e efetivadas num ambiente real social. (...) É uma luta que, muitas vezes, é invisível, passa por muitas dores, muitas mortes, muita invisibilidade.”


Modelo superado 

A professora do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Luciane Prado Kantorski, que pesquisa sobre saúde mental e Reforma Psiquiátrica, também reitera que o manicômio é uma estrutura arcaica que precisa ser superada. “É um modelo depositário de tudo aquilo que a sociedade não quer, não aceita, de tudo aquilo que não se enquadra dentro do que é ‘normalidade’”, afirma. 


Ela resgata a história de criação dos manicômios no Brasil, no século XIX, marcada por segregação e privação da liberdade, para enfatizar que essa é uma realidade que está mudando porque o mundo se transformou. “Em muitos lugares já não existe mais esse tipo de estrutura. A Itália é um grande modelo de superação dos manicômios, mas, aqui, no Brasil, fortemente no final na década de 70 e principalmente nos anos 80, com a 8ª Conferência de Saúde e a abertura política, começou uma discussão de superação de instituições como essa, em que a pessoa é afastada da sociedade e, além do estigma e do rótulo pelo confinamento, há todo um prejuízo que isso causa para a futura ressocialização.”


Situação em Pelotas

O contexto de Pelotas, de acordo com Luciane, acompanha aquele que se vive em todo o Brasil em relação aos cuidados em atenção à saúde mental: de precarização do trabalho nos CAPS e do fornecimento de medicação de uso contínuo. A docente lembra que, no início dos anos 2000, houve uma evolução significativa em relação a essa pauta, com a constituição dos Centros de Atenção Psicossocial, porém a rede municipal ainda precisa avançar muito.


“Pelotas sofre aquilo que o Brasil inteiro sofre. Quando a gente teve, principalmente no final dos anos 2017/2018, um retrocesso importante no processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil, com a alocação de recursos para os manicômios e a redução para a Rede de Atenção Psicossocial, houve, consequentemente, o sucateamento de muitas dessas estruturas.”


Luciane também atenta que esta é uma região que sempre concentrou uma grande quantidade de leitos psiquiátricos. Um movimento importante foi o fechamento, em 2005, dos leitos da Clínica Olivé Leite e, passados quase 20 anos, ainda restam 160 do Hospital Espírita, que é uma instituição de configuração manicomial, ainda com graves restrições em relação ao direito das pessoas. 


Por isso, aponta que esta é uma questão central que precisava ser resolvida, de fechamento desses leitos do Espírita e abertura de outros dentro do Hospital Geral. “É um desafio para toda a cidade, não só da Prefeitura, mas das universidades que também precisam fazer parte desse esforço”. 


A luta antimanicomial no país

A luta antimanicomial no Brasil é celebrada no dia 18 de maio e constitui-se como um processo histórico de defesa aos direitos humanos e busca da cidadania de pessoas em sofrimento psíquico. Ela vai contra ao modelo institucionalizado de atenção, que possuía práticas assistenciais que violentavam e centralizavam o cuidado em instituições produtoras de exclusão social.


A principal bandeira da luta antimanicomial é a defesa do cuidado em liberdade. Portanto, é fundamental o fortalecimento de todas as atividades que prestam um trabalho com equipes multiprofissionais, atuando de modo interdisciplinar, como é o exemplo dos Centros de Atenção Psicossocial, nomenclatura criada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para os serviços de caráter aberto e comunitário, voltados ao acompanhamento de pessoas com sofrimento psíquico. 


Assessoria ADUFPel, com informações e foto da Secretaria da Saúde do Governo do Estado do Rio Grande do Sul


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