XXII Encontro da Regional RS do ANDES-SN aborda autonomia e intervenções nas IFES
Mesa que ocorreu no último
sábado, dia 7 de agosto, discutiu também a reforma administrativa
O que seria o
autoritarismo dentro das universidades? Isso existe? Voltamos no tempo?
Infelizmente a resposta é que não só existe, como está presente em várias IFES
ao longo do nosso país. Pensando nisso, a Regional RS do ANDES-SN preparou uma
mesa para tratar das experiências de professores e professoras que estão
vivenciando isso na pele, em pleno ano de 2021.
Precisamente às 9h,
o integrante da diretoria da Regional RS do ANDES-SN, Cesar Beras deu as
boas-vindas aos presentes no encontro online, e apresentou os(as) participantes
da mesa. A mediação ficou a cargo do diretor da ADUFPel e ex-presidente do ANDES-SN,
Luiz Henrique Schuch. Os(As) debatedores(as) ficaram divididos em duas
universidades fora do estado e duas universidades gaúchas. A professora Rúbia
Vogt da (ANDES/UFRGS) e a professora Celeste Pereira (ADFPel) representaram o
Estado do Rio Grande do Sul na conversa. Já a Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD) foi representada pela professora Claudia Marques Roma, e por
fim, o professor Bruno Matias da Rocha, representou as Universidades Federais
do Estado do Ceará (ADUFC).
“Uma temática propícia para este momento de dificuldade. Essa pauta tem
um potencial de diálogo com as categorias, especialmente nas universidades que
tiveram ruptura com a democracia. Além disso, este é um assunto que chama,
dialoga e nos aproxima”, destacou Schuch, mediador da conversa.
Começando com as angústias e experiências, a primeira a relatar a
vivência foi a professora de geografia do Mato Grosso do Sul (MS), Claudia
Roma. A docente destacou que o estado é um dos polos do agronegócio no Brasil,
o que sempre foi um território de conflitos entre os indígenas e o agronegócio.
“Em 2019, quando começa o processo de intervenções nas universidades federais,
a UFGD foi uma das primeiras a sofrer esse ataque”, disse.
Na UFGD existe um processo de consulta prévia, com o voto paritário
entre os docentes, técnicos e discentes. Um dos professores que disputou era
ligado às questões bolsonaristas, mas não foi o vencedor. “O candidato foi
derrotado e tiramos em assembleia uma carta política e de compromisso com os
candidatos, que se eles não fossem os ganhadores, não se colocariam na lista”,
ponderou a professora.
Em Mato Grosso do Sul, uma professora que nem tinha participado do
processo eleitoral da UFGD foi nomeada pelo Ministério da Educação (MEC). “O
que este fato gerou foi uma falta total da nossa autonomia universitária, e os
processos que acabaram acontecendo dentro da universidade são perversos, assim
como o próprio ato de intervenção”, explicou Claudia.
Consequências
da intervenção na UFGD
Após a intervenção em 2019, os conflitos começaram de forma
sistemática. “Em uma reunião do Conselho Universitário, até a polícia circulou
dentro do campus. Os embates dos movimentos estudantil, dos técnicos e docentes
com a gestão, entre outros episódios passaram a ser recorrentes dentro da
universidade”, explicou a professora.
Além disso, existiu uma fraude nas cotas do curso de medicina, onde 10
alunos(as) se passaram por pretos e pardos. “A Universidade estava em um
processo contra esses(as) alunos(as), mas quando a interventora assumiu a
reitoria, o ministério público procurou a gestão da universidade e ela aceitou
o acordo com estes(as) alunos(as)”, disse. O sindicato dos(as) professores(as)
da UFGD (ADUFDourados) está atento a estes episódios e segue com duas linhas de
luta, a política e a jurídica.
Ceará
O segundo a falar
foi o representante das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC),
Bruno Rocha. “O nosso caso é um pouco diferente, pois o candidato estava na
lista tríplice, mas foi o menos votado”, comentou Rocha. O professor também
explicou que a indicação é uma deslegitimação da representação dentro da gestão
da Universidade Federal do Ceará (UFC). “O nosso conselho ficou esvaziado, as
decisões acabam sendo o que a reitoria quer e ponto final. O papel do sindicato
é lembrar para a comunidade universitária quem são os interventores, lembrando
que não é só reitor, mas os diretores aliados e inúmeras outras pessoas”.
Também em 2019, a
intervenção começou de forma velada da UFC. Os eventos que falavam sobre
democracia e tolerância foram sendo cancelados. A operação administrativa, que
lida com as pós-graduações, calendários e as férias docentes foram ocupadas por
pessoas sem capacidade técnica. “ A intervenção simplesmente bagunçou tudo isso, o
que não é surpresa dado a incompetência que é característica do governo
Bolsonaro. Se não fosse a intervenção, com certeza as pessoas adequadas seriam
colocadas para gerir a universidade”, disse. Os ataques aos discentes, técnicos
e professores também são unanimidade entre os interventores, que transformam a
reitoria em instrumento de perseguição a quem faz oposição.
O professor alerta
também sobre a reforma administrativa, que traz uma proposta que ataca a
colegialidade, principalmente a ausência dos concursos públicos. Outro ponto
destacado pelo professor é a representatividade. “A reforma administrativa é um
perigo, porque abre uma brecha para que pessoas que não representam a autonomia
universitária ocupem cargos de diretores e pró-reitores, representando outros
interesses. Nós sabemos que dos órgãos colegiados saem decisões e resoluções
que alteram a forma de trabalhar para sempre, e isso nos preocupa muito”,
refletiu Rocha.
Pelotas
A diretora da
ADUFPel, Celeste Pereira dividiu a fala em três momentos. Fatos históricos,
último processo de escolha da reitoria e os resultados e lições do processo de
intervenção.
Em 6 de janeiro
deste ano, o MEC decretou a nomeação da professora Isabela
Fernandes Andrade, segundo lugar na lista tríplice, como reitora da UFPel,
ignorando a escolha de docentes, técnico-administrativos e estudantes.
Isabela fez parte da
chapa vencedora do processo de consulta informal, “UFPel Diversa”, juntamente
ao candidato a reitor, Paulo Roberto Ferreira Júnior. Ambos os nomes integraram
a lista tríplice, referendada pelo Conselho Universitário (Consun) da UFPel no
dia 19 de outubro. Em primeiro lugar ficou Paulo, que recebeu 56 votos dos
conselheiros, seguido de Isabela, que obteve 6 votos, e de Eraldo, com 2 votos.
“Eu participei da
comissão eleitoral e nós conseguimos fazer um acordo entre os concorrentes, que
no momento da homologação do conselho universitário, apenas os nomes da chapa
eleita seriam indicados, e da mesma maneira, o acordo para os conselheiros que
fosse referendada a escolha feita pela comunidade universitária”, comentou
Celeste. Aconteceu que o Bolsonaro não escolheu o primeiro da lista tríplice e
após dois dias da nomeação, a chapa acatou
a decisão antidemocrática do governo federal, de nomeação de Isabela como
reitora da instituição.
Resultado
do processo de intervenção
“Olhar para o lado e ver companheiros e companheiras
de luta, que hoje estão lá defendendo o projeto intervencionista é uma situação
muito ruim, além de ser muito duro viver esta experiência”, lembrou Celeste.
Ainda, segundo ela, a disputa de ideias e posições divergentes é saudável, mas
os(as) colegas em que confiamos ao longo da militância política de toda uma
vida, hoje se encontrarem em um campo de cerceamento dos nossos direitos é
desolador. “A gestão é passageira, mas o resultado dela pode ter implicações
para a vida de todos nós”.
A nova gestão da UFPel é caracterizada por uma fala
contraditória no sentido de fazer a defesa da democracia, o que não se traduz
na prática. “Estamos vivendo um processo duro de ataques aos direitos dos
trabalhadores, docentes e técnicos-administrativos, inclusive com medidas sendo impostas de
forma aligeiradas, colocados em um dia e no outro passam por aprovação, sem o
debate com os interessados”.
Celeste lembrou
também sobre o parecer normativo 49, que impõe a obrigatoriedade da gravação
das aulas, sem nenhum amparo legal. “A nossa universidade está sendo pioneira
em obrigar os colegas a gravar as aulas, e sabemos que aulas gravadas podem
significar inúmeras coisas, inclusive a utilização delas com o professor
ausente da universidade, como forma de baratear os custos. Esse desgoverno é
capaz de qualquer coisa, não sabemos o que pode acontecer”.
A professora
encerrou a participação dela na mesa com uma reflexão. “É preciso encontrar os
nossos espaços de resistência nesse processo, mas tenhamos no nosso horizonte
que resistir não é o suficiente.
Precisamos sair do espaço da resistência e ir para o campo da ousadia”,
concluiu.
UFRGS
A última debatedora,
representando a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rúbia Vogt
fez um relato sobre o que vivencia como docente na capital gaúcha. “A
intervenção vem minar o funcionamento mais democrático da universidade",
foi assim que a professora começou a sua fala. No caso da UFRGS, o terceiro e
último colocado na consulta universitária foi o indicado para reitor. Mas isso
já havia acontecido no ano de 1987.
Outro problema da
UFRGS é a não paridade, sustentada com afinco dentro da universidade. “Dentro
dos nossos históricos, não bastasse a não paridade, pelo menos nas duas últimas
eleições nós temos resultados diferentes, onde os candidatos mais votados em
números absolutos de votos não são os candidatos nomeados, nem os que ficam em primeiro
lugar, pois a votação do conselho não respeita a paridade. Isso precisa ser
sempre rememorado, o quanto a não paridade enfraqueceu o nosso movimento de
luta”, relatou Rúbia.
Dentro desse
cenário, um grupo de interventores viu uma oportunidade diante do quadro do
governo Bolsonaro e sustentaram a candidatura. “Um deputado federal se colocou
através dos meios de comunicação e mediou a relação do grupo/chapa com o
presidente Bolsonaro, durante todo o processo de escolha do reitor”, relembrou
a professora.
Um outro aspecto que
é a UFRGS por ser uma universidade antiga, ser grande e estar na capital gaúcha
tem toda uma questão de orgulho. “O problema é que às vezes o orgulho se
transforma em arrogância, um sentimento de superioridade, e que as coisas que
não irão nos atingir. Isso acabou sendo um banho de água fria para quem pensava
desta maneira”, relatou.
Gestão
intervencionista
O professor Carlos Bulhões, foi nomeado, assumiu e de imediato executou
uma mudança administrativa na UFRGS, sem escuta, sem discussão, sem passar
pelos órgãos e pelo conselho universitário. A fusão da pró-reitoria de
graduação e pós-graduação, são áreas grandes e de políticas educacionais
diferentes. “Esta fusão não passou por discussão. Além disso, as reuniões de
conselhos não eram mais chamadas e outras reuniões eram derrubadas de forma
unilateral”, complementou Rúbia, só para lembrar alguns exemplos do que vem
ocorrendo dentro da UFRGS.
O conselho da universidade criou uma comissão para avaliar essas
mudanças e o resultado foi votado em março de 2021. A decisão elencou que a
reitoria deveria voltar à estrutura administrativa anterior, principalmente por
não ter cumprido os ritos. O prazo era de 30 dias. “O que o reitor fez? Ele
esperou os 30 dias e depois apresentou um parecer da procuradoria que
sustentava as suas mudanças”, explicou a professora.
Depois disso foi
criada uma nova comissão para avaliar a desobediência do reitor a uma decisão
do conselho universitário, e no último dia 31 de julho o parecer foi votado e
aprovado. “Uma das recomendações do parecer é a destituição do reitor, que será
encaminhada para o Ministério da Educação, além de denúncia para o Ministério
Público dos atos realizados pelo interventor”, explicou a docente da UFRGS.
Após quase duas horas de relatos dos(as) quatro docentes, de
universidades e cidades diferentes, os professores e as professoras que
escutaram atentamente o debate puderam fazer suas reflexões sobre o assunto. As
preocupações, os anseios e as aflições tomaram conta da parte final da mesa.
"O quão bela foi a mesa no sentido de entender, e o quão assustadora ela
também foi. Em pleno século 21, estamos vivendo um autoritarismo dentro da
universidade", finalizou o integrante da Regional RS do ANDES-SN, Cesar
Beras.
Texto: Diego Balinhas - Aprofurg