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‘A enfermagem precisa mais que aplausos’, salienta enfermeira e docente da UFPel em entrevista

Os/as profissionais da Enfermagem têm sido decisivos/as na detecção, prevenção e contenção da Covid-19 nos sistemas público e privado de saúde desde o início da pandemia. São eles e elas que, na linha de frente, colocam suas vidas em risco em prol de outras vidas, mesmo estando sob luta constante por valorização e melhores condições de trabalho. 


É por isso que, neste Dia da Enfermagem (12 de maio), em uma entrevista especial, chamamos atenção para esta profissão que sempre esteve à frente dos atendimentos à saúde de toda a população. 


Conversamos com a professora da Faculdade de Enfermagem da UFPel e sindicalizada da ADUFPel, Luciane Prado Kantorski. A docente, junto a tantos/as outros/as profissionais e estudantes, participa do processo de vacinação em Pelotas, e, além disso, coordena uma pesquisa sobre os impactos da pandemia de Covid-19 na saúde mental dos/as trabalhadores/as da rede de serviços de saúde do município. 


Luciane contou um pouco sobre a sua trajetória de vida, a experiência de estar participando desse momento histórico e alertou para a importância da vacinação e para as pautas da categoria.

Por que você escolheu Enfermagem como profissão e quando iniciou a sua jornada como docente também? Nos conte um pouco da sua trajetória.

Eu terminei o curso de Enfermagem em 1986. Entrei muito cedo,  com 16 para 17 anos, e penso que a minha escolha teve muita relação, principalmente, com a minha mãe, por ser técnica de Enfermagem, aposentada do Hospital Universitário de Santa Maria. Eu tinha uma certa aptidão por ouvir e cuidar de outras pessoas. 


Trabalhei alguns anos como enfermeira assistencial, comecei durante as ações integradas, em uma cidade pequena junto a uma cooperativa de pequenos agricultores que tinha adquirido um hospital. Foi um período pré-SUS. Era uma trabalhadora de saúde quando o SUS foi implantado.  


Eu estava terminando o mestrado em Santa Maria e senti uma necessidade de dividir as coisas que eu tinha aprendido na prática e os desafios. Queria avançar um pouco mais nessa parte da produção de conhecimento, então eu vim para academia em 1994. Passei em um concurso, aqui em Pelotas, e fui chamada primeiro como substituta até sair a minha nomeação como efetiva. Nesse meio tempo, trabalhei um ano e meio na USP, em Ribeirão Preto, na Escola de Enfermagem, depois fiz um novo concurso e retornei, fazendo toda minha vida aqui na Universidade Federal de Pelotas 


Você está atuando, juntamente a demais profissionais e estudantes na linha de frente da vacinação em Pelotas. Já havia passado por algo semelhante em sua vida? Como você descreveria essa experiência dentro desse projeto de ensino? 

Eu nunca vivi nada igual e acredito que nenhum de nós viveu coisa parecida com essa pandemia, que é avassaladora do ponto de vista da saúde e mental de todos nós. Mas a campanha de vacinação, em si, participar dos drives e estar junto com os alunos, de certa forma, me devolveu um pouco algumas coisas perdidas durante esse período de isolamento e trabalho remoto, que foi a aproximação de novo com os alunos e com a população. 


Acho que a grande questão de estar engajada na campanha de vacinação é porque é um espaço de esperança. As pessoas chegam lá com muita expectativa de que a gente vai conseguir superar essa pandemia. Então, é muito gratificante trabalhar nessa perspectiva, na linha de frente, vacinando as pessoas e fazendo parte da construção dessa esperança de superação.


Na foto, à direita, Luciane vacina sua mãe.


Como as equipes estão fazendo para dar conta de tamanha demanda em Pelotas?

Da vacinação, em particular, há uma mobilização, uma solidariedade importante. Todas as escolas de Enfermagem, de nível superior e técnico, estão participando. Em cada drive, nós temos em torno de 80 a 100 pessoas trabalhando. A Prefeitura lidera esse processo, que é o que se espera, porque temos uma gestão plena do Sistema Único de Saúde, e cada vez com mais experiência nessa organização. A gente observa que existe um bom Know-how para vacinar no Brasil. Tendo doses, a gente tem condições de dar essa resposta à população. 


Como você analisa as medidas adotadas pelo governo para combater a pandemia, tendo em conta o cenário atual? Pela sua experiência, o que deveria ter sido feito para que o Brasil não chegasse a esse número tão elevado de infectados e mortos?

Enquanto profissional de saúde da Enfermagem e professora e pesquisadora da UFPel, observo estarrecida a situação que o Brasil se colocou, porque, na realidade, sabemos que grande parte dessas mais de 400 mil mortes eram possíveis de evitar. Precisávamos ter aderido fortemente à aquisição de vacinas, o governo deveria ter tido um papel proativo de defesa dos seus cidadãos. 


Temos um Sistema Único de Saúde que tem capacidade de vacinar muitas pessoas por dia, e o que tem acontecido - podemos observar nas duas últimas semanas - é que não há doses por falta de insumos. Então, não é um atraso ocasional, foi uma decisão política de não adquirir vacina quando o mundo inteiro estava. Junto a isso, existe toda uma estrutura negacionista, apostando em medicações como a cloroquina, que não são efetivas para o tratamento da Covid-19. 


Desse ponto de vista, o governo tem sido bastante negligente com a saúde da população, e acabamos chegando nesse ponto. Sofremos um forte trabalho de desinformação, não só com Fake News, mas as Fake News contribuíram bastante ao estimular as pessoas a não se vacinarem, que a vacina não era a solução. A gente vê que isso tem repercussão, inclusive, na busca das pessoas pela segunda dose, mas parece que mesmo tendo se disseminado tudo isso a gente ainda tem uma boa procura. 


Então, é uma tristeza olhar, como trabalhadora de saúde e pesquisadora dentro da Universidade, e pensar que o Brasil poderia ser um dos países que estivesse à frente desse processo de vacinação e, na verdade, nós somos um dos países que mais morrem pessoas e se contaminam. É lamentável tudo isso e as consequências são gravíssimas para muitas famílias. 


O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) aponta que, em abril, tivemos uma queda de 71% dos enfermeiros mortos pela Covid-19 em relação ao mês anterior devido ao aumento da vacinação. Quantas dessas mortes poderiam ter sido evitadas caso o desgoverno não tivesse se omitido por tanto tempo da compra das vacinas?

Isso nos diz que tantas mortes de pessoas da linha de frente - enfermeiros, técnicos e auxiliares de Enfermagem, médicos, fisioterapeutas, pessoas que trabalham na higienização e outras pessoas da comunidade - eram possíveis de terem sido evitadas se houvesse uma ampla vacinação, e o dado do Cofen confirma isso. 


Eu lembro que no início da pandemia, além de não termos vacina, faltavam EPIs [Equipamentos de Proteção Individual]. Todos os países conviveram com isso; uma incerteza sobre os protocolos porque se conhecia pouco. Hoje, nós estamos em um momento que sabemos muito mais em termos de protocolo e temos vacina chegando em vários lugares, mas nos primeiros meses do ano morreram mais pessoas do que em todo ano passado. Essa informação escancara que a gente precisava ter sido mais rápido [em iniciar a vacinação] e que ainda precisa ser muito rápido porque teremos muitas perdas de vida pela frente. 


Além do projeto de ensino, você também coordena uma pesquisa sobre os impactos da pandemia de Covid-19 na saúde mental dos trabalhadores da Enfermagem na rede de serviços de saúde de Pelotas, que já abordamos anteriormente em nosso site e jornal. Como está o andamento da pesquisa e quais resultados já obtiveram até então?

Temos um grande número de pessoas que trabalham na Enfermagem e a maior parte é de mulheres. Muitas dessas mulheres têm dois ou três empregos e a repercussão sobre a saúde mental é impressionante. A gente rastreou uma amostra de 890 trabalhadores de Enfermagem. Em torno de 37% das pessoas foram rastreadas para depressão, 44% para transtorno de ansiedade e em torno de 68% para alterações no seu padrão de sono, o que mostra um pouco como o medo tomou conta, se disseminou e gerou insegurança em relação a essa situação da pandemia.  


É impressionante, se a gente olhar do ponto de vista das políticas públicas, as recomendações que se pode fazer para dar conta de proteger a saúde mental desses trabalhadores. Conseguimos elencar um conjunto de recomendações, divulgar para os serviços, e seguimos com a pesquisa. A primeira coleta aconteceu em junho do ano passado e temos uma segunda coleta em junho deste ano, na qual a gente também vai poder analisar esse um ano e pouco que se passou da pandemia. 


Enfermeiros e enfermeiras são valorizados como deveriam? Quais são as principais pautas de luta, hoje, da categoria?

A Enfermagem foi chamada a exercer esse papel durante a pandemia e tem exercido com muita dignidade. E tem dito para a sociedade que a Enfermagem precisa mais que aplausos. Os aplausos são bem-vindos, são reconhecimento, mas os enfermeiros técnicos e auxiliares precisam se alimentar. 


A gente não pode reduzir essa discussão ao amor à profissão, ao aplauso, porque ela é uma profissão como toda a outra e ela merece um piso salarial digno para que esses enfermeiros, técnicos e auxiliares consigam sustentar suas famílias e desenvolver um trabalho de qualidade. Essa é a grande reivindicação da Enfermagem. 


Eu acredito e gosto da profissão que eu escolhi, gosto de trabalhar na formação de enfermeiros, penso que é uma profissão que tem um papel importante na sociedade, mas eu também gostaria, depois de tantos anos de profissão, que tivesse esse reconhecimento concreto do piso salarial, das 30 horas e de condições dignas de trabalho, que é o que o trabalhador merece e o que reivindica nesse momento, e tem reivindicado ao longo de todos esses anos. Esse momento de pandemia só explicitou mais essa necessidade para profissão. 


Gostaria de falar, também, um lema do “HumanizaSUS”, o qual diz que quando a gente está cuidando de outra pessoa, sempre tem que ter como referência que o paciente é o amor da vida de alguém. Acho que é importante a gente olhar para essas vidas e pensar que esses profissionais são também o amor da vida de alguém. Se eles estão colocando a sua vida e o seu corpo na linha de frente para cuidar e para ajudar a salvar pessoas, a sociedade também precisa reconhecer esse trabalho e o reconhecimento vem pelo piso salarial, pelas 30 horas e pelas condições dignas para esse trabalhador.


Temos visto um relaxamento no isolamento por parte da população e flexibilização dos governos, enquanto o Brasil ocupa a segunda posição em relação à taxa de mortes por milhão de habitantes. Que sentimentos isso lhe traz? Que mensagem deixarias para a população?

É uma coisa incompreensível. Precisamos ter 70% da população vacinada para pensar em flexibilização e não ter o Sistema Único de Saúde estrangulado em termos de leito de UTI e de leito para internação da Covid. Nós não chegamos ainda nisso, ao contrário, nós temos uma curva ascendente. Como que a gente pode pensar em flexibilização com crescimento de casos? É algo que não tem muito nexo. Eu tenho um estranhamento em relação a isso. A realidade mostra uma coisa e se conduz na contramão de tudo isso. 


Eu fico olhando para todos esses meus colegas que vão diariamente para os serviços de saúde e é muito difícil pensar que enquanto tantas pessoas estão lutando para salvar vidas, na contramão de toda essa história, se pensa que se pode se flexibilizar e retomar as aulas presenciais. Se a gente não tem uma condição sanitária, pelo menos de cobertura vacinal e de estabilização com uma curva descendente, não sei como nós, enquanto sociedade, seguimos discutindo isso.


Assessoria ADUFPel 


Imagens: Arquivo pessoal

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