Desmontes da universidade, da pesquisa e da carreira docente integram a pauta
Entenda os motivos que devem levar os docentes federais do RS à greve
O indicativo
de greve da categoria docente para o primeiro semestre de 2020 foi um dos
principais encaminhamentos do 39º Congresso do ANDES-SN, ocorrido de 4 a 8 de
fevereiro, em São Paulo. Motivos nacionais não faltam, iniciando pelo
estrangulamento orçamentário imposto às universidades públicas pelo governo de
Bolsonaro e Mourão; passando pelo desmantelamento das agências públicas de
fomento à pesquisa; e chegando ao projeto ‘Future-se’, que presenteia o setor
privado com patrimônio, pesquisas e gestão, enquanto retira da comunidade que
constrói cotidianamente a universidade a autonomia necessária para implementar
projetos, escolher representantes e fortalecer o caráter social do conhecimento
produzido.
A esse desastroso cenário
nacional no que tange ao campo da Educação, somam-se a precarização das
condições de trabalho e salário dos servidores públicos, expressos, por
exemplo, na Reforma da Previdência e no completo desmonte da carreira docente.
Mas, se a pauta de
reivindicações é longa, a disposição de luta dos docentes federais gaúchos
também o é.
Disparidades
salariais
Uma das motivações que
agudizam a insatisfação dos docentes da UFSM é a completa disparidade salarial
entre os que integram os regimes de 20 e 40 horas, com ou sem Dedicação
Exclusiva. Representada pela Sedufsm, a categoria é proponente de uma ação
judicial cujo objetivo é corrigir a falta de proporcionalidade entre os valores
pagos aos docentes que cumprem jornadas de trabalho de 40 horas semanais em
tempo integral (com ou sem Dedicação Exclusiva) e de 20 horas em tempo parcial.
Em nota, o escritório Wagner
Advogados Associados, que presta assessoria jurídica à Sedufsm, explica que
“seria presumível que os docentes, independentemente do cargo ocupado, posto
que exercem atividades de igual responsabilidade e complexibilidade, até mesmo
pela previsão constitucional do § 1º, artigo 39, da Constituição, receberiam o
mesmo valor pela hora trabalhada nos casos de 20 e 40 horas, e um valor maior
no caso de dedicação exclusiva”.
A realidade, contudo, não
segue esta lógica, de forma que, se forem calculados os valores dos pisos
salariais previstos em lei, e posteriormente comparados com a hora de trabalho,
“chega-se à absurda conclusão de que não há qualquer proporcionalidade nos
vencimentos pagos [...], sendo que a forma aleatória de atribuir os pisos acaba
por, na prática, causar visível prejuízo financeiro aos docentes”, aponta o
estudo jurídico. Para saber mais, leia aqui.
Já no que se refere à
situação orçamentária da UFSM para o ano de 2020, o percentual de investimento
será 31% menor em comparação ao ano anterior. Ano passado, o orçamento de
custeio da instituição (pagamento de luz, empresas terceirizadas, etc.) foi de
R$ 130 milhões. Para 2020, a lei orçamentária (LOA) prevê um total de R$ 90,7
milhões, o que corresponde a uma redução de 30,2%. Já quanto à verba de capital
(usada para investimento em obras, etc.), enquanto no ano passado o valor
alcançou R$ 12,6 milhões, neste ano, a previsão é de R$ 6,6 milhões. Isso
representa uma redução de 47,8%. Leia mais aqui.
Retaliação
Por conta da Reforma da
Previdência de Jair Bolsonaro, os docentes federais receberão salários menores
a partir de março. Isso ocorre porque, agora, os servidores públicos federais
têm que pagar alíquotas previdenciárias maiores. Em alguns casos o valor pode
chegar a quase 1/5 do salário.
A nova forma de cálculo da
alíquota previdenciária dos servidores públicos federais depende,
primordialmente, da data do ingresso no serviço público. Há duas regras
distintas: uma para os servidores que ingressaram até 3/02/2013, data da
instituição do Funpresp, e outra para os servidores que começaram a trabalhar
depois dessa data ou para os servidores antigos que aderiram à previdência
complementar voluntariamente.
Para Celeste Pereira, diretora
da ADUFPel, essa é uma forma de retaliar os servidores que ingressaram antes da
criação da Funpresp e optaram por não aderir ao fundo.
“Em março, estaremos sentindo
os efeitos desse confisco. Esse é mais um elemento que corrobora com o desmonte
dos serviços públicos, levado a cabo ferozmente por esse governo, e que foi uma
de nossas razões para aprovação do Estado de Greve, deliberado pela categoria
em Assembleia. Ele é calculado de forma a expandir as individualidades e com
isso dividir ainda mais a categoria. Mais do que nunca precisamos estar unidos
e fortes. O que se avizinha é a intensificação da precarização do trabalho, a
piora drástica na qualidade de vida, e, com isso, o desestímulo para o nosso
trabalho com a educação pública. As inseguranças e incertezas colocadas
pretendem nos desestabilizar para luta, mas nós vamos resistir com toda nossa
gana e garra”.
PEC
Emergencial busca destruir o Estado Brasileiro
Após 300 dias de governo, o
presidente Jair Bolsonaro apresentou ao Congresso Nacional, no início do mês de
novembro, o Plano Mais Brasil. O pacote de propostas tem o intuito de
consolidar ainda mais a destruição do Estado brasileiro. O plano é composto por
três Propostas de Emenda à Constituição (PECs), que desobrigam a União de
promover serviços públicos à população, ataca diretamente os servidores
públicos e permite a transferência dos recursos públicos para a iniciativa
privada.
Apelidada de PEC
“Emergencial”, a proposta traz alterações que buscam reduzir os gastos
obrigatórios da União. Já a PEC do “Pacto Federativo” altera a distribuição de
recursos entre os três entes federativos, prevendo até a extinção de municípios
com menos de 5 mil habitantes. Por fim, a última proposta que integra o Plano é
chamada de “Fundos Públicos”, que propõe uma série de medidas, entre elas a
extinção dos fundos e a destinação de parte dos recursos - atualmente de R$ 219
bilhões - para a amortização da dívida pública.
Ataques
aos servidores públicos
Diversas medidas foram
apresentadas pelo governo na PEC Emergencial, entre elas a redução de 25% da
jornada e dos salários dos servidores públicos e a proibição de reajuste
salarial, criação de cargos, reestruturação de carreiras e abertura de
concursos públicos. Além disso, o texto prevê o veto à promoção de funcionários
públicos - mesmo para os que tiverem cumprido os requisitos para recebê-la -, a
suspensão do repasse ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que é
responsável, por exemplo, pelo custeio do seguro-desemprego – e ao Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre outras
atrocidades.
Para a vice-presidente da
APROFURG - Seção Sindical do ANDES-SN, Marcia Umpierre, a PEC surge de forma
disfarçada buscando confundir a população. “A PEC emergencial vem disfarçada de
uma preocupação com as contas e com os gastos públicos dos governos federal,
estadual e municipal. Ela vem fingindo ser essa preocupação de que o Estado não
gaste mais do que arrecada, em prol dos direitos dos servidores públicos
federais. Então ela prevê uma redução na carga horária, jornada de trabalho,
redução de salário, sem progressões e promoções e sem a realização de concursos
públicos”, explicou Marcia.
Ainda segundo a professora, o
pagamento de uma dívida impagável não explica as razões do atual governo para
este projeto. “O governo diz que se houver superávit nas contas públicas, o
recurso que for poupado será utilizado para amortizar os juros da dívida. E
todos nós sabemos que o pagamento de uma amortização de uma dívida que é
impagável torna tudo isso um afronte a todos os servidores públicos, em mais
uma prova de que o serviço público não é prioridade do atual governo”,
ressaltou a vice-presidente da APROFURG.
Por
que o servidor tem que pagar a conta?
Ao mesmo tempo em que
determina que valores de superavit devem ser usados prioritariamente para pagar
os juros da dívida pública ao sistema financeiro, a PEC joga nas costas dos
servidores as contas de ajustes fiscais.
Não é coincidência o fato de
que ministro da Economia, Paulo Guedes, veio diretamente do sistema financeiro
para conduzir o direcionamento do Estado em favor desse mesmo sistema.
Segundo o senador paranaense
Oriovisto Guimarães, relator de PEC Emergencial no Senado, os servidores devem
se sacrificar em nome desse projeto político e econômico. “Se precisa que eles
deem alguma cota de sacrifício, assim como a população que não é funcionária
pública está dando, terão que participar”, afirmou.
Ironicamente, Oriovisto é
dono de um dos maiores grupos econômicos do país, que atua em diversos setores
econômicos, muitos deles beneficiados por diversos programas de incentivos
fiscais que isentam ou beneficiam empresas com a redução dos tributos pagos às
diferentes esferas governamentais. Isso é justamente o contrário de “se
sacrificar”.
Para Antonio Marcos Teixeira
Dalmolin, diretor do ANDES/UFRGS, “nesse contexto de conjuntura adversa, o
estado de greve consiste em momentos de reflexão, debate e mobilização em favor
da carreira docente. Na UFRGS, a luta em defesa da carreira dos professores e
professoras possui várias frentes e uma delas envolve o tema das progressões e
promoções funcionais. Sobre este tema, na UFRGS, as seguintes questões são
pontos de debate e reflexão: - O reconhecimento dos direitos dos/das docentes
com progressões atrasadas; - Análise e aplicação da legislação vigente em
processos de progressão e promoção docente; - A informatização dos processos de
progressão e promoção docente por meio de um sistema interno em substituição ao
módulo institucional do Sistema Eletrônico de Informações (SEI)”.
Calendário
de lutas
Aprovado por unanimidade pelos mais de 600 professores que participaram do 39º Congresso do ANDES-SN, em São Paulo, o calendário prevê a realização de assembleias de base nas universidades até o dia 13 de março. Já nos dias 14 e 15 de março, o resultado das assembleias, que devem decidir sobre a deflagração da greve, será levado à reunião do Setor das Federais do Sindicato Nacional.
É
hora de transformar o ESTADO de GREVE por greve por tempo indeterminado
Cesar Beras, presidente da
Sesunipampa, destaca que, frente a esse cenário, é momento de a categoria
docente resistir e lutar. "Vivenciamos no ano de 2019 a aprovação da
reforma da previdência, que retira direitos e impede uma aposentadoria digna; o
funcionamento da EC 095/16, que congela recursos nas áreas de educação e saúde
por 20 anos; o desrespeito à autonomia universitária e à eleição de reitores
Brasil afora; o FUTURE-SE e sua tentativa de entrega da universidade para o
mercado e a iniciativa privada; e ainda a reforma administrativa que busca
destruir a função e a carreira do servidor Público Federal. Fatos que
demonstram um projeto ultraliberal de destruição do Estado social duramente
afirmado na constituição de 1988".
Para o dirigente, "é hora da categoria docente escrever a história, de resistência e luta com suas mãos, prática histórica de nosso sindicato. À luta e a greve da educação pública federal por tempo indeterminado e rumo a greve geral".
(Essa
matéria foi elaborada pela Sedufsm, com a colaboração da ADUFPel, APROFURG,
SESUNIPAMPA, SINDOIF e Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS. A arte é uma
elaboração da APROFURG e as imagens são da Sedufsm e ADUFPel.
Esse
texto é parte do trabalho coletivo realizado semanalmente pelas Seções Sindicais
do ANDES-SN no Rio Grande do Sul para divulgar as razões que levaram os
docentes a aprovar o Estado de Greve para o ano de 2020).