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Notícia

"Esse governo quer espoliação completa": entrevista com Guilherme Boulos

 

Durante o 36º Congresso do ANDES-SN, que ocorre em Cuiabá (MT) até sábado (28), entidades parceiras do Sindicato Nacional estiveram presentes para falarem sobre suas atividades. O dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, foi um dos convidados. Além de palestrar para os professores no primeiro dia do evento, concedeu uma entrevista coletiva aos jornalistas das seções sindicais. Boulos, que recentemente chegou a ser detido por algumas horas em decorrência de sua tentativa de negociação com a polícia no caso da remoção das famílias da ocupação de um terreno em São Mateus, São Paulo, abordou diversas questões. Conjuntura, criminalização dos movimentos sociais, programas habitacionais populares, organização territorial das cidades e a relação do MTST com as universidades são alguns dos temas trazidos na entrevista. Além disso, o dirigente analisa os ataques que o governo de Michel Temer vem realizando e pontua: “é preciso jogar com todas as forças de resistência para barrar esses ataques durante o ano de 2017”. Confira:

 

Kelvin Melo (ADUFRJ) - Sobre uma mudança no programa Minha Casa Minha Vida, agora o governo vai tentar construir essas casas onde tem infraestrutura, mais próximo aos centros das cidades. Isso é uma proposta que te agrada, como você vê isso?

 

Guilherme Boulos - A proposta em si é boa, é uma reivindicação histórica do movimento. Desde que o Minha Casa Minha Vida foi criado, em 2009, o grande enfrentamento que o MTST e outros movimentos fizeram foi que o programa beneficia muito mais as construtoras que os trabalhadores sem teto e de que ele está inserido numa lógica que não é de reforma urbana, mas o oposto: é a de jogar os pobres para mais longe. A ideia é boa, qual é o problema? É que nesse governo a ideia está vindo misturada com a completa descaracterização de quem o Minha Casa Minha Vida atende. Tá bom, vai trazer mais para o centro. Mas quem vai vir morar? A classe média. Na prática, do ponto de vista de cidade, é mais do mesmo. A ideia de financiar moradias mais próximas do centro está vindo junto com o combate ao subsídio no Minha Casa Minha Vida. O grande fator positivo do programa foi que pela primeira vez na história do país teve um programa habitacional baseado no subsídio e não no crédito imobiliário. O BNH [Banco Nacional de Habitação] que foi outro grande programa antes do Minha Casa Minha Vida era baseado no crédito e por isso só atendia à classe média. Setenta e tantos por cento do déficit habitacional brasileiro são famílias com menos de três salários mínimos, que não têm acesso ao crédito, não podem ir no banco pegar um crédito. Então, ou tem um subsídio maciço para atender a essa turma, ou não é programa habitacional popular, é financiamento imobiliário. O que o governo Temer está fazendo desde o princípio com o Minha Casa Minha Vida é destruir a faixa 1 do programa, que é a do subsídio, fortalecer a faixa que a Dilma já tinha criado, chamada faixa 1,5, que é um misto de subsídio e crédito mas mais com cara de crédito, e fortalecer as faixas 2 e 3 que são faixas com crédito imobiliário histórico, bancário. É uma falácia dizer que o Minha Casa Minha Vida vai vir para o centro. O Minha Casa Minha Vida vai financiar quem sempre morou no centro.

 

Luana Soutos (ADUFMAT) - Eu gostaria que você refletisse sobre a perseguição aos movimentos sociais, sobre o caso que você viveu recentemente. Algumas pessoas falam que isso está piorando, mas na verdade vocês sempre foram perseguidos, já tiveram colegas presos. Então, você acha que isso está piorando, que a gente deve fazer algo em relação a isso?

 

GB - Olha, evidentemente não foi o governo Temer que criou a criminalização dos movimentos no Brasil. É um processo histórico que vem de muito tempo e que inclusive no próprio governo Dilma nós enfrentamos a sanção da lei antiterrorismo, que é um instrumento que será utilizado de forma cabal para criminalizar movimento social. No entanto, acho que está piorando sim. Acho que após o golpe parlamentar que vivemos no Brasil você tem um processo crescente de criminalização da luta social. Você tem uma quebra de que tinha algum grau de segurança jurídica. Isso tem a ver com o fortalecimento quase imperial do judiciário no Brasil, que faz o que quer, por cima de qualquer garantia constitucional, então a criminalização não é só pancada, não é só repressão, é judicialização também. Isso tem a ver com o fato de que nós temos um governo pautado pela espoliação. Se nós podemos dizer que o governo petista em 13 anos foi um governo que tentou fazer um pacto de conciliação, e na minha opinião ele pode se caracterizar assim, ou seja, os trabalhadores ganhavam alguma coisinha e os de cima continuavam ganhando o que sempre ganharam, não se enfrentou privilégios mas houve algum grau de pactuação na sociedade, não à toa ganharam quatro eleições sucessivas, construíram um grau de consenso que envolveu em parte a classe trabalhadora. Esse governo [Temer] não quer conciliação, esse governo quer espoliação completa. Então um governo que não é capaz de atender o mínimo em relação a direitos sociais, que inclusive está esvaziando os programas sociais existentes, com todos os limites que esses programas têm, mas que representavam alguma melhora de vida para os mais pobres. Quando o governo não tem condição de dar resposta política ao problema social, a resposta que sempre historicamente vem é a repressão, é a criminalização. Nós estamos vendo um agravamento brutal da crise econômica, desemprego crescente, programas sociais sendo eliminados. No caso da moradia isso é muito evidente. O governo Temer, desde que entrou, em maio, ainda como governo provisório, não contratou nenhuma moradia do Minha Casa Minha Vida. E, ao mesmo tempo, a crise econômica faz com que as pessoas desempregadas não consigam mais pagar os aluguéis nas periferias da cidade e vão para a rua. Isso vai dar luta, isso gera processo social. Se o governo não tem resposta de política social para isso, a resposta é a polícia, a criminalização. A política de espoliação, a política dura, a política mais forte de ataque a direitos do governo Temer leva sim ao aumento da criminalização dos movimentos sociais. Ressalvando mais uma vez que não foram eles que criaram isso e os governos petistas, durante 13 anos, embora na minha opinião numa medida menor também criminalizaram e também tiveram um papel de enfrentamento aos movimentos e talvez a expressão maior disso tenha sido a aprovação da lei antiterrorismo no final do governo Dilma.

 

Mathias Rodrigues (ANDES-SN) - Eu queria que você comentasse de maneira conceitual como que o MTST vê a organização territorial da cidade, da forma como ela está hoje, e atua a partir disso, e qual é o objetivo do MTST de reorganização da cidade. Ou seja, se o MTST pudesse, hipoteticamente, construir uma cidade hoje, no que ela diferiria das cidades do Brasil que vemos hoje?

 

GB - A grande marca das cidades capitalistas periféricas, não só delas mas delas em especial, é a segregação. Nós temos no Brasil talvez algumas das cidades mais segregadas do mundo, do ponto de vista de uma separação brutal entre ricos e pobres e entre centro e periferia e o que isso significa do ponto de vista social. A segregação territorial é também uma segregação social, de classe, desde o ponto de vista de oferta de serviços públicos, da formalização da cidade, do acesso a bens culturais. Qualquer projeto de reforma urbana precisa tomar isso como eixo, no nosso entendimento. Existe no Brasil uma legislação relativamente avançada, que é o Estatuto das Cidades, ainda criado no governo Fernando Henrique, em 2001, que cria alguns instrumentos de enfrentamento da lógica da especulação imobiliária, que é a lógica que norteia a cidade: tomar a terra como mercadoria, que vai valorizando e expulsando. Na lógica de cidade que nós temos, valorização imobiliária é sinônimo de expulsão social. A formação das nossas cidades estão marcadas por isso, desde o princípio. São centros que foram sendo higienizados… se você pegar São Paulo, que talvez seja a maior e mais segregada do Brasil, até a década de 1940 a classe trabalhadora morava no centro, porque não existia periferia nos moldes que nós conhecemos hoje. Moravam em cortiços, em vilas operárias. O filho do rico tava na mesma calçada que o filho do pobre. O modelo que foi construído a partir de uma industrialização maior, e da formação de uma burguesia mais sólida, foi um modelo de loteamentos periféricos e autoconstrução nas regiões mais distantes, onde se reservou áreas intermediárias, que hoje são os bairros de classe média, para zonas de especulação.

O que nós temos visto, talvez na última década em especial, é o modelo de crescimento econômico adotado no Brasil, que foi um modelo baseado no capital imobiliário da construção civil, e esse capital se empoderou demais. Um dado para ilustrar isso: se você pegar o estoque de crédito imobiliário no Brasil, em 2005 era R$ 3 bilhões. O estoque dez anos depois, em 2014, foi R$102 bilhões. Você teve um aumento de mais de 3000% no aumento do crédito, o que poderia parecer bom pois as pessoas estão tendo crédito, mas isso significa um aquecimento sem precedente da especulação, que levou à colonização até de regiões periféricas pelo capital e, com isso, a expulsão para novas periferias, você teve uma expansão periférica no último período. Estou dizendo isso para caracterizar o que nós temos como modelo contrário. Um modelo de forma urbana precisa enfrentar a dinâmica dessa cidade, que é a dinâmica da especulação e da expulsão. O Estatuto das Cidades tem instrumentos para isso: a regulamentação da função social da propriedade, IPTU progressivo, desapropriação sanção, que é um instrumento que permite que em áreas que não cumprem função social, depois de notificação, um ano sem projeto, depois de cinco anos de IPTU progressivo, essas áreas podem ser tomadas como moeda podre, como título da dívida pública. Só que sequer esses instrumentos, que longe de ser socialistas são instrumentos de regulação de mercado, sequer esses instrumentos são aplicados. Estatuto das Cidades é letra morta. Então nós temos a perspectiva, antes de tudo, de construir um programa mínimo, que passa pela tributação progressiva do solo, passa por um programa nacional de construção de equipamentos públicos nas regiões periféricas, porque esse é um fator de especulação. O que faz o centro ser mais valorizado que a periferia? É precisamente o fato do centro ser o local da oferta de emprego e de serviços. Se você leva serviços públicos para a periferia, você diminui a especulação relativa. Então tem que ter um programa massivo nesse sentido de levar o centro para a periferia e a periferia para o centro. É um duplo movimento que o MTST formula como um programa de direito à cidade. Ou seja, levar os equipamentos público e qualidades urbanas do centro para as regiões periféricas e levar moradores pobres para as regiões centrais. Porque um programa de moradia e reforma urbana passa também pela utilização dos imóveis ociosos. Hoje nós temos no Brasil cerca de sete milhões de famílias sem teto e cerca de seis milhões de imóveis ociosos. Muitos destes estão em áreas centrais, utilizados para especulação. Sintetizando: desapropriação de imóveis ociosos para moradia social, levar um programa nacional de equipamentos públicos paras as periferias urbanas, imposto progressivo, taxação da especulação imobiliárias, que na verdade o código tributário já prevê com o nome de “contribuição sobre melhoria” e que não é aplicado...no código diz que a valorização de um imóvel decorrente de um investimento público pode levar à taxação e isso nunca foi regulamentado em nenhum município brasileiro.

 

Gabriela Venzke (ADUFPel) - Como tu analisas a Operação Lava Jato e qual o papel das empreiteiras nesse sistema de corrupção brasileiro?

 

GB- Não é novidade para ninguém do campo progressista de esquerda do Brasil a corrupção estrutural do sistema brasileiro, particularmente do sistema político que vem com a nova república, que é fruto de um arranjo no processo de transição com o fim da ditadura, ele está baseado numa engrenagem em que a corrupção é parte inevitável, através da lógica do financiamento privado de campanhas eleitorais, que é pago com contratos públicos, com favorecimento em estatais, essa é a engrenagem de funcionamento do regime político brasileiro. De certo modo, é positivo que haja uma operação que desnude isso para o país todo. Por esse ponto de vista, a Lava Jato cumpriu um papel importante. No entanto, a Lava Jato, no meu entendimento, fez isso de forma viciada. Primeiro porque, até aqui, ainda o fez de forma seletiva, atingiu de forma central o PT, o governo petista e as figuras petistas, e apenas de forma muito subsidiária os outros partidos. Não tem ninguém do PSDB, nenhuma grande figura do PSDB indiciada na Lava Jato. Não é razoável crer que os R$ 8 milhões que a Andrade Gutierrez deu para a Dilma foram corrupção e os R$ 8 milhões que deu para o Aécio foram de boa vontade, de crença política. Não dá pra crer que em Minas Gerais, no governo do Aécio, ou em São Paulo no governo do Alckmin, não houve esquemas iguais do ponto de vista de corrupção. Isso comprometeu a credibilidade da Lava Jato.

Acho que tem um outro aspecto, além da seletividade, que é um aspecto preocupante, que é a forma como a Lava Jato conduziu seus procedimentos jurídicos. Houve um abuso de prisões preventivas e prisões provisórias, os maiores juristas do Brasil são unânimes em questionar isso. A figura da condução coercitiva, sem intimação prévia, não é algo previsto no Código Penal brasileiro, é um absurdo, uma aberração e desrespeita direito de defesa. O procedimento que a Lava Jato estabeleceu praticamente aniquila o direito ao habeas corpus, que é um direito democrático central. A presunção de inocência, ao contrário estabelece presunção de culpa e fez delações premiadas com critérios absolutamente obscuros. As negociações em torno das delações premiadas são uma caixa preta, de quem fala, o que fala, o que precisa ter para uma delação ser aceita. Todos esses fatores fizeram da Lava Jato, para usar as palavras que Vladimir Safatle utilizou num artigo, tão indefensável quanto a corrupção que investigou. Acho que a Operação Lava Jato, embora tenha gerado um apelo social no combate à corrupção, se tornou um projeto de poder, um projeto de poder de uma república de procuradores, de juízes. Isso ficou muito evidente nas tais dez medidas de combate à corrupção, que são medidas de empoderamento do judiciário quase absoluto e que é preocupante do ponto de vista dos abusos institucionais, dos abusos a liberdades democráticas essenciais. A crítica desde o ponto de vista de esquerda, não de quem quer estancar a sangria da Lava Jato, essa crítica precisa ser feita. Termino dizendo, e isso não foi um caso da Lava Jato mas um caso de abuso do judiciário, legitimado pelo STF [Supremo Tribunal Federal] no caso do julgamento do Mensalão, que foi a teoria do domínio do fato. Sem ter provas, utilizaram esta teoria contra o José Dirceu para prendê-lo no Mensalão. Eu fui indiciado semana passada pelo domínio do fato sem ter nenhuma prova, usando a mesma teoria. Se abre um precedente, pois se fazem isso com ministros, com ex-presidente da república, com figuras pública de renome institucional, o que não farão conosco? Essa é uma questão muito preocupante em relação à Lava Jato.

 

Bruna Homrich (SEDUFSM) - A principal pauta do último período foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55. Embora ela tenha sido aprovada, a gente sempre continua tocando nela até para não deixar o assunto esmorecer. Que impactos a PEC deve trazer para a moradia e que perspectivas se colocam nesses próximos 20 anos a partir dessa proposta?

 

GB - Acho que nós podemos ter segurança em dizer que a PEC 55 foi o maior ataque à Constituição de 88 desde que ela foi promulgada, ao que a Constituição de 88 tem de positivo, que era alguma rede de proteção social, alguma capacidade de investimento social e público do Estado brasileiro. Nós nunca tivemos no Brasil um estado de bem-estar social, mas os direitos, o SUS [Sistema Único de Saúde], a moradia como direito, tudo isso na Constituição permitiu um arcabouço mínimo de programas sociais, de saúde pública, de educação pública, com todos os limites que nós conhecemos. A PEC 55 é uma desconstituinte nesse sentido, ela desmonta essa rede. Os números são muito claros, foram feitos vários levantamentos por economistas de como seria a situação se a PEC valesse há 20 anos. Se eu não estou enganado, o investimento em saúde cairia pela metade e o em educação cairia 2/3. Inviabiliza serviços públicos no Brasil. A PEC 55 é também a PEC da privatização dos serviços públicos, porque ela vai fazer com o SUS, com a educação pública, com a universidade pública, aquilo que eles fizeram nos anos 1990 com as estatais. Qual o argumento para privatizar as estatais? Foi o de que elas eram uma bosta, que não funcionavam. Esse argumento foi tornado realidade quando eles sucatearam as estatais antes de privatizar. Então sucateava a Telebrás, tornava o serviço de telefonia insuportável e se criava um clamor nacional pela privatização. A PEC 55 é isso, você vai destruir a saúde pública, vai destruir a educação pública, vai faltar cadeira na universidade e aí vem o discurso sedutor da privatização de que o que é privado funciona. Ela é um desmonte de política social no Brasil.

Do ponto de vista de moradia, se essa PEC valer de fato, e eu não dou isso de barato, porque o nível de agravamento de conflito social que teremos nos próximos anos pode forçá-los a rever isso, mas o Minha Casa Minha Vida não existiria nesse modelo da PEC. Nenhum programa de investimento consistente em habitação popular é possível com engessamento orçamentário que fazem com a PEC. Na prática, a PEC significa entregar toda a receita de crescimento econômico do Brasil nesses próximos 20 anos para o pagamento de juros da dívida pública, porque é a única parte do orçamento que não tem teto. Convenhamos que em algum momento o Brasil vai crescer em 20 anos, só que essa receita de crescimento não vai poder ir para investimento público, por lei, por uma cláusula constitucional. Isso é draconiano, não há nenhum país, nenhum precedente de uma coisa tão grave como essa, nem Pinochet no Chile, nem Fujimori no Peru, Fernando Henrique, Menem, nem os ícones do neoliberalismo latino-americano chegaram tão longe. Isso é insustentável, ela vai aprofundar uma convulsão social no Brasil. E acho que a luta que nós temos que fazer no momento, o MTST tem falado isso, a Frente Povo Sem Medo, mas nosso entendimento é que é preciso levantar a bandeira de um referendo. Porque a PEC foi aprovada, aliás por um Congresso com a menor legitimidade e credibilidade social para aprovar coisa alguma, ainda mais uma medida de tamanha gravidade. O povo precisa decidir se quer congelar investimento social por 20 anos ou não, Nós achamos que a maneira de manter a bandeira de enfrentamento à PEC 55 viva é durante esse ano de 2017 é também levar às ruas nas nossas lutas a defesa de um referendo popular em relação ao congelamento de gastos.

 

Daniel Amorim (ADUA) - Desde o ano passado, nós vemos várias entidades e movimentos sociais construindo nesse projeto da greve geral. Apesar disso e inclusive com o acirramento dos ataques do governo Temer, como a própria PEC, você vê que esse projeto não foi levado a cabo, apesar de vários movimentos, mobilizações, inclusive a marcha para Brasília, que foi muito significativa. Você acha que isso se deve à divergência entre entidades ou acha que é um projeto mesmo de longo prazo?

 

GB - Acho que boa parte do movimento social brasileiro, durante os 13 anos do governo petista, se preocupou com outras coisas ao invés de fazer trabalho de base. Houve uma institucionalização muito grande, não só do movimento sindical, msa do conjunto do movimento social. Parte do movimento social e sindical foi para o governo, acreditou que o governo pudesse resolver seus problemas e ponto final. Se construiu um distanciamento tremendo com a base, de organização de base, de mobilização de base. Isso enferruja, ficar décadas sem mobilizar, e depois achar que você faz assim, fala em greve geral e o povo vem junto… a vida é mais dura, você perde credibilidade, perde condição organizativa. Acho que a greve geral não é apenas uma decisão, não basta todas as centrais brasileiras decidirem pela greve geral, tem que combinar com a classe trabalhadora brasileira, se não não tem greve geral. O problema é que boa parte da classe trabalhadora ainda não está com essa disposição.

As centrais têm uma responsabilidade nisso? Não há dúvida, é o que eu disse, acho que têm responsabilidade pois muitos dos sindicatos e muitas das centrais deixaram de fazer esse debate de politização, de mobilização social. Houve um amortecimento do enfrentamento de classes durante os governos petistas com o apoio de parte expressiva do movimento sindical. Está se pagando o preço agora. Não basta só querer fazer greve geral agora, é preciso retomar uma capilarização dos sindicatos com suas bases, que é o que vai permitir essa mobilização. Eu particularmente acredito que a Reforma da Previdência pode ser um ponto de ruptura em relação a isso. Diferente da PEC, e o MTST foi até as ocupações, as comunidades, trabalhar a questão da PEC. E não foi tão fácil, você tinha que colocar legenda. Era uma longa conversa para as pessoas entenderem o porquê de ter que ir para a rua contra a PEC, porque do outro lado tinha um discurso muito pesado, midiático, do governo Temer, dizendo que iam tirar o Brasil do vermelho, que o PT tinha colocado o Brasil no vermelho, então tem que cortar, pois não pode gastar mais do que arrecada. Esse é um discurso que pega. Não nós conseguimos fazer do enfrentamento à PEC uma luta de massa. na Reforma da Previdência é diferente, a Reforma da Previdência já virou assunto de boteco. Logo depois que foi colocada, as pessoas entenderam, é a aposentadoria que está em jogo, ninguém vai conseguir se aposentar, não precisa de legenda. Eu acho que a Reforma da Previdência e o enfrentamento a essa reforma, que está prevista para ser votada em junho na Câmara, pode ser um ponto de ruptura que permita melhores condições para uma greve geral no Brasil.

 

Renata Mafezzoli (ANDES-SN) - Como o MTST vê a reforma da previdência, a reforma trabalhista, que deve tramitar junto, que impactos vêm para os trabalhadores e como estão organizando a resistência a essas propostas?

 

GB - Eu juntaria a PEC 55 nisso. Essas três propostas: previdência, reforma trabalhista e PEC 55 representam o maior pacote de ataque a direitos da história recente do Brasil. O governo Temer, em um ano e meio de governo, está conseguindo fazer, desde o ponto de vista do capital, o que nenhum governo anterior conseguiu fazer. Pega a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], a CLT é da década de 1940 e nem a ditadura mexeu na CLT. Um governo sem voto popular, em um ano apresenta proposta que na prática irão destruir a CLT. Os sistema previdenciário no Brasil também é antigo, foi aprofundado na Constituição de 1988 mas as garantias de direitos previdenciários são anteriores. Eles estão destruindo até pacto getulista no Brasil, é terra arrasada o que essa turma quer fazer. Por isso é preciso organizar uma ampla e radical resistência. O MTST participou do enfrentamento contra a PEC, não apenas enquanto movimento mas como parte da Frente Povo Sem Medo, que é a maneira como, em geral, o movimento se organiza para enfrentar as causas mais gerais, que não são da pauta de moradia e de questão urbana. E vamos agora já no início do ano discutir um calendário de mobilização contra a reforma da previdência e os ataques aos direitos trabalhistas. Espero que a gente consiga construir mobilizações unificadas. Acho que tem caldo para isso e é preciso jogar com todas as forças de resistência para barrar esses ataques durante o ano de 2017. Se 2016 foi um retrocesso, se conseguem aprovar essas em 2017, 2016 vai ter sido só a prévia de 2017 do ponto de vista do retrocesso. A reforma da previdência é brutal. Na prática vai impedir a aposentadoria de milhões de brasileiros. Na agenda do ano, nós fizemos um planejamento do MTST no início do ano e o combate à reforma da previdência é prioridade zero do movimento. Nós vamos empenhar o que nós temos de força e fazer um grande esforço para a unidade nessa luta.

 

Renata Mafezzoli (ANDES) - Você sendo de São Paulo, como vê o primeiro mês da gestão Doria?

 

GB - O Doria já disse a que veio. Teve, em poucos dias, uma série de medidas midiáticas, marqueteiras, mas também uma série de sinalizações higienistas. As três marcas da gestão Doria nessas poucas semanas foram: combater grafiteiro, ou seja, um ataque à diversidade cultural, em que o que não é cultura oficial, elitista, não é tido como cultura, precisa ser combatido, apagado, tirado do mapa. Estão fazendo isso em São Paulo, na última semana apagaram o que era conhecido um dos maiores corredores de grafite do mundo, na Avenida 23 de maio. Segundo, agora sexta-feira passada, o Doria alterou um decreto do Fernando Haddad, que agora autoriza a Guarda Municipal a tirar colchões e cobertores de moradores de rua, a apreender colchões e cobertores, que é parte de uma política higienista brutal. E em terceiro lugar, o fortalecimento da lógica do automóvel, numa cidade em que o automóvel tem mais cidadania que as pessoas, o que está expresso na bandeira do aumento de velocidade. Houve uma série de medidas, com todos os limites que teve a gestão Haddad, o MTST teve muito enfrentamento com a gestão Haddad, mas teve algo de positivo que foi o fortalecimento do transporte público, com corredores de ônibus e uma maior inibição do uso do automóvel privado. E o Doria, nesses poucos dias, dá sinais de que quer reverter o que houve de avanço.

 

Kelvin Melo (ADUFRJ) - O MTST tem essa relação com a universidade muito forte, de vez em quando tem debates nas universidade, você está participando de um congresso de professores. Vocês imaginam que essa relação está no patamar que desejam ou poderia ser ampliada, por exemplo com cursos nas universidades?

 

GB - Nós temos também no MTST alguns programas de extensão universitária, em São Paulo, no Rio, mas acho que há espaço sim para ampliação. Na verdade nós vamos enfrentar o mesmo terremoto no próximo período. Os professores universitários, estudantes, funcionários e trabalhadores das universidades, irão enfrentar uma política desmonte das universidades públicas e de ataque a direitos sociais, ataque a direitos trabalhistas do funcionalismo e o MTST também vai sofrer com esse mesmo processo, no caso da PEC por exemplo o desmonte de programas habitacionais. A mesma tormenta vai pegar a todos. É preciso que haja um estreitamento cada vez maior de relações nos campos em que forem possíveis. No campo da formação, construir cursos, levar as universidades até as ocupações, levar as ocupações até as universidades. Essa relação hoje ainda é uma relação de representação. Ou seja, representantes, dirigentes do movimento, vão até a universidade e estabelecem relações com estudantes, com professores, por exemplo eu estou aqui no Congresso do ANDES-SN. Mas não é uma relação ainda, a não ser poucos projetos de extensão, como em São Paulo na USP, que pega alfabetização, trabalhos com crianças nas ocupações, nos espaços do MTST, no Rio teve organização da demanda do MTST, oficinas... Mas ainda são experiências muito isoladas e nós temos todo o interesse em expandir isso e de colocar não só a direção do MTST em relação com a universidade, mas o conjunto do movimento, sua base social, em relação com a universidade.

 

Renata Mafezzoli (ANDES-SN) - O MTST tem um casarão, que é um espaço de formação. Você pode falar sobre isso?

 

GB - O Casarão da Luta é um espaço com uma história curiosa. Ele fica em Taboão da Serra, que é uma cidade da região metropolitana da cidade de São Paulo, e era a mansão onde morava o prefeito de Taboão da Serra há uns 40, 50 anos atrás. Junto a essa terra, tem um terreno de 60 mil m². Durante uma onda de ocupações que MTST fez em São Paulo naquela região em 2007, nós fizemos uma forte pressão junto ao governo do estado, que na época era o José Serra o governador, e essa pressão se desdobrou numa marcha muito simbólica, a marcha dos 5 mil, onde essas pessoas marcharam mais de 20 quilômetros, em seis, sete horas de marcha, até a sede do palácio do governo. O resultado dessa marcha foi que o movimento conseguiu a desapropriação de três terrenos para moradia popular. Um dos terrenos foi esse de Taboão da Serra, o terreno foi desapropriado para construir moradia. Em uma parte do terreno está o condomínio João Cândido, que é muito emblemático, uma das ocupações desse período se chamava João Cândido em homenagem ao marinheiro negro. Além disso, esse condomínio é o maior apartamento do Minha Casa Minha Vida do Brasil, foi construído com gestão direta do movimento e com o mesmo dinheiro que as construtoras fazem no Minha Casa Minha Vida apartamentos de 40 m², nós fizemos, gerindo a obra, apartamentos de 63 m², com elevador, centro de convivência, varanda, três dormitórios. É um modelo, um piloto do Minha Casa Minha Vida Entidades que fica nesse terreno. E na época o governo do estado queria demolir o Casarão para fazer prédio também e nós fizemos outra luta para preservar o casarão como um centro comunitário do movimento e virou o centro de formação nacional do MTST onde a gente faz cursos nacionais, cursos com a militância, curso com as ocupações, onde fazemos assembleias, esse é o Casarão da Luta.

 

Fonte: ADUFPel-SSind, ANDES-SN, ADUFMAT, SEDUFSM, ADUA e ADUFRJ

Foto: Gabriela Venzke (ADUFPel-SSind)

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