Justiça Federal nega pedido de suspensão de Licença Prévia para mineração em São José do Norte
A
2ª Vara Federal de Rio Grande indeferiu, dia 31 de janeiro, dois pedidos do
Ministério Público Federal (MPF), para que fosse revogada antecipadamente uma
Licença Prévia de mineração em São José do Norte. A área, designada como
“Banhado e Lagoas do Estreito”, fica a 65km do Parque Nacional da Lagoa do
Peixe. A decisão, em caráter liminar, é do juiz federal substituto Gessiel
Pinheiro de Paiva.
O Ministério
Público Federal ajuizou, no dia 21 de dezembro de 2018, duas ações civis
públicas contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) e a empresa Rio Grande Mineração S/A (RGM),
requerendo a suspensão liminar da eficácia da Licença Prévia Ibama nº 546/2017,
que autorizava o início de um projeto para mineração de titânio em São José do
Norte, em uma faixa de terra localizada entre a Lagoa dos Patos e o Oceano
Atlântico.
O
projeto Retiro, nome da primeira comunidade de São José do Norte que seria
atingida pela mineração, pretende explorar cerca de 600 mil toneladas de minerais
em uma área de aproximadamente 30 quilômetros de extensão por 1,6 quilômetros
de largura. Desde 2017, comunidades tradicionais de pescadores artesanais e
agricultores familiares que vivem na região vem se mobilizando para tentar
barrar a chegada da mineração em suas terras.
Em fevereiro de
2016, a procuradora Anelise Becker, do Ministério Público Federal, emitiu uma
recomendação ao Ibama apontando “graves deficiências” no EIA-RIMA do
empreendimento, solicitando que a empresa corrigisse as deficiências e lacunas
desse estudo e pedindo a realização de uma nova audiência pública. No dia 14 de
junho de 2017, a então presidente do Ibama, Suely Araújo, emitiu uma licença
prévia, válida por quatro anos, para a Rio Grande Mineração iniciar o
empreendimento.
Numa das ações
ajuizadas agora em dezembro, o Ministério Público Federal postula a declaração
da nulidade dessa licença, assim como a nulidade do EIA/RIMA, do Plano de
Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) e das audiências públicas que
antecederam a outorga daquela licença. Além disso, solicita que, caso a RGM
mantenha seu interesse no prosseguimento do licenciamento ambiental do
empreendimento, o Ibama exija a correção, “de modo cientificamente aferível”,
de todas as deficiências do EIA/RIMA e do PRAD e, “caso adequadamente supridas
estas, submeta tais informações complementares a novas audiências públicas, a
fim de que restem satisfatoriamente dirimidas as dúvidas da população”.
Na outra ação,
o Ministério Público Federal também requer a anulação da Licença Prévia e, caso
a empresa mantenha seu interesse no prosseguimento do licenciamento
ambiental do “Projeto Retiro”, que seja determinado ao Ibama que, além das
medidas citadas acima, “promova consulta à população tradicional potencialmente
afetada pelo empreendimento, zelando pela fiel observância do disposto na
Convenção OIT nº 169 e demais normas aplicáveis à matéria”.
O Ibama
apresentou no processo seus pareceres técnicos e defendeu que, embora pudessem
haver discordâncias técnicas, deveriam prevalecer as razões de conveniência e
oportunidade adotadas pela instituição. Também alegou que o uso abusivo pelo
MPF do Princípio da Precaução, além de não encontrar amparo na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, seria um empecilho ao desenvolvimento econômico
sustentável.
A empresa Rio
Grande Mineração, por sua vez, afirmou que os argumentos apresentados pelo MPF
não eram suficientes para justificar a suspensão da LP e que “desprestigiaria o
extenso e profundo trabalho técnico sob encargo do IBAMA”. Acrescentou que a
licença em questão não representaria perigo de dano imediato, pois há uma série
de etapas a serem seguidas antes de iniciar as atividades propriamente de
mineração.
Juiz não vê urgência no caso
Em sua decisão,
o juiz Gessiel Paiva observou que a Tutela de Urgência (pedido liminar) deve
ser concedida quando há elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. No caso em questão,
ele constatou a ausência do segundo requisito. Isso porque, afirmou, o
processo de licenciamento ambiental constitui-se de um procedimento complexo,
normatizado, em que ocorrem três etapas sucessivas: a licença prévia, a licença
de instalação e, finalmente, a licença de operação. A LP não autoriza qualquer
intervenção apenas permite que o processo avance para a fase seguinte, com a
elaboração dos projetos das medidas compensatórias e de cumprimento de
condicionantes. “Se não está autorizada qualquer intervenção concreta, cai por
terra o argumento da urgência, pois o meio ambiente não está em risco, ao menos
no presente momento”, concluiu.
Projetos de mineração
foram tema de seminário do ANDES
Em
dezembro de 2018, o Grupo de Trabalho de Políticas Agrárias, Urbanas e
Ambientais (GTPAUA) do ANDES-SN realizou seminário para debater os projetos de
mineração na região Sul. No evento, ocorrido em Rio Grande e São José do Norte,
foi ressaltado o caráter iminente da degradação ambiental dos biomas onde os
empreendimentos visam instalar-se. Ao fim do seminário, foi redigido um
documento em que diversas entidades posicionam-se contra os empreendimentos de
mineração na região, ressaltando o fato de que as comunidades potencialmente
afetadas são desconsideradas no processo de consolidação dos projetos. Confira:
Carta de São José do Norte
Nos dias 13, 14 e 15 de dezembro de 2018 ocorreu o “I Encontro sobre os
impactos da mineração nos(as) pescadores(as) artesanais” e o “II Seminário
Regional sobre os Impactos dos Projetos de Mineração: O que sabemos? Para onde
vamos?”. Nos eventos estiveram presentes membros de comunidades pesqueiras e
agricultores familiares locais, movimentos sociais, pesquisadores(as) e
estudantes em âmbito nacional, regional e local. Promoveram-se debates que
dialogam com aspectos da mineração e seus impactos, desde questões de ordem
política e decisória, questões relativas à extração, transporte e armazenamento
dos minérios. Sendo assim, foi possível extrair diversas conclusões, dentre as
quais se destacam:
· Considerando
a intenção de mais de 160 projetos de mineração para a metade sul do Rio Grande
do Sul, torna-se clara a necessidade de ampliação dos debates em âmbito
político, social, jurídico e acadêmico sobre o tema em todo o território
afetado;
· É
necessário consultar as comunidades antes de formular os projetos de
desenvolvimento para o território, superando a restrição dos debates apenas às
audiências públicas. Para o setor da mineração, as decisões são restritas às
instâncias políticas de alto escalão de modo exclusivamente vertical. Dessa
forma, demarca-se a necessidade de consulta prévia, livre, bem informada, culturalmente
adequada e de boa fé, conforme a OIT 169 e demais regramentos sobre povos
tradicionais;
· As
consultas, restritas ao licenciamento ambiental, apresentam profunda carência
de informações compreensíveis para as comunidades, pelo desrespeito à linguagem
e tempo necessário para elas terem clareza sobre os reais impactos. Além disso,
não são viabilizadas as condições para comparecimento e efetiva participação
popular nos debates;
· Não
se considera a sinergia ou cumulatividade dos impactos da mineração com demais
empreendimentos (minerários ou não) que tem cada vez mais ameaçado a reprodução
dos modos de vida e oprimido as populações tradicionais que tem sua cultura e
identidade vinculadas aos territórios;
· A
criação de unidades de conservação como mecanismo de minimização, mitigação e
compensação dos impactos das atividades poluentes, como a própria mineração,
acabam retirando moradores de seu território ou inviabilizando suas atividades.
Sendo assim, a criação das unidades, nos casos em destaque, acabam se
constituindo também em um impacto sobre as comunidades tradicionais e do campo.
· Os
projetos de mineração são justificados para geração de emprego, arrecadação
tributária e crescimento econômico. Entretanto, as experiências concretas
demonstram que os projetos têm servido apenas para o desenvolvimento econômico
de grandes grupos de interesse, em detrimento da qualidade de vida da maior
parte da população (baixa empregabilidade, péssimas condições de trabalho,
insalubridade, violência, degradação social e graves passivos sobre o ambiente
natural), além da baixa arrecadação tributária, que não permite a promoção de
políticas públicas voltadas ao combate dos problemas criados pelo próprio
empreendimento;
· Diante
das constatações mencionadas, os projetos de mineração representam um “projeto
de morte”, conforme sustentam pescadores artesanais, agricultores e pecuaristas
familiares, ribeirinhos, quilombolas, caiçaras, indígenas e comunidade em
geral.
· Há
profunda fragilidade dos estudos ambientais, no âmbito do licenciamento
ambiental, que não apresentam com clareza (ou sequer apresentam) planos de
recuperação de áreas degradadas, ou mesmo a recuperação das estruturas sociais
impactadas. Aliás, os impactos sociais são profundamente negligenciados,
restritos a indicadores de aumento de PIB e geração de empregos,
desconsiderando os constrangimentos e desqualificação dos modos de vida, bem
como alterações na cadeia produtiva de atividades locais;
· As
regiões afetadas apresentam profunda fragilidade socioambiental, sendo
consideradas áreas de extrema relevância para conservação pelo Ministério do
Meio Ambiente e UNESCO. Contudo, passam a ser consideradas áreas de sacrifício
que levariam a uma concentração de atividades poluidoras e destruição de suas
principais características e potencialidades;
· Por
fim, tendo em vista a unanimidade de posicionamentos contrários à mineração em
São José do Norte, Lavras do Sul e Caçapava do Sul, faz-se necessária a revisão
imediata dos processos de licenciamento ambiental, bem como dos planos nacional
e estadual de mineração, a fim de contemplar a demanda popular e garantir a
soberania dos povos tradicionais sobre seus territórios, fundamentos do Estado
Democrático de Direito.
Estreito, São José
do Norte, 15 de dezembro de 2018.
Assinam:
MPP Nacional, MAM, APROFURG, Regional RS do ANDES-SN, GTPAUA/ANDES-SN, SEDUFSM,
ADUFPeL, NUPAUB/USP, Fórum da Lagoa dos Patos, GAPTA/UFPA, Amigos da Terra, UPP
Camaquã MOPEAR, ANP, Laboratório MARéS/FURG, Fórum Delta do Jacuí, Lago Guaíba
e Norte da Laguna dos Patos, Observatório de Conflitos Ambientais e Urbanos do
Extremo Sul/FURG.
(*) Com informações da Justiça Federal.
Fonte: Sul21
*Com inclusão de informações de ADUFPel-SSind