Mulheres em luta por direitos e igualdade de gênero
O 8 de março em Pelotas foi mais do que uma
data comemorativa alusiva ao Dia Internacional da Mulher. A tarde de domingo no
parque Dom Antônio Zattera foi marcada pela luta de mulheres por direitos e
igualdade de gênero.
O evento “Mulheres em Luta” teve início com a saudação das entidades realizadoras – Associação dos Docentes da UFPel (ADUFPel), Sindicato dos Municipários de Pelotas (Simp), Sindicato dos Bancários de Pelotas e região e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias e Cooperativas da Alimentação (Sticap), com apoio do Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas, Frente Feminista Giamarê, Associação Rede Bem da Terra, Instituto Mário Alves (IMA) e ArtCidade.
Em seguida, as poetas Ediane Oliveira e Aline Neutzling declamaram poesias com um viés de
problematização da questão da mulher. Após, deu-se início a uma roda de
conversa com a mediação da professora do Departamento de Antropologia e
Arqueologia da UFPel, Loredana Ribeiro (Feminismos e academia no Brasil), com a
presença da componente do coletivo ArtCidade, Cássia Cavalheiro (Mais cidade
para as mulheres), da escritora Angélica Freitas (Um útero é do tamanho de um
punho: mulheres e literatura), da integrante da Frente Feminista Giamarê,
Daniele Rehling (Feminismo), da jornalista Ediane Oliveira (Feminismo negro),
das estudantes Fernanda Balbinot (Feminismo lésbico) e Caroline de Souza e de
Laura Cardoso (Parto humanizado).
Simultaneamente à roda de conversa, a artista Jéssica Porciúncula realizou uma obra ao vivo, que foi doada à ADUFPel, e Cássia (ArtCidade) fez uma intervenção de malabares. O encerramento do evento teve as apresentações musicais de Daniela Neris, Anna Júlia e Inaê Dutra.
Mulheres na universidade
Loredana iniciou os debates discorrendo sobre as origens do Dia
Internacional da Mulher e, após, introduziu o tema “feminismos, mulher e
academia”. A professora afirmou que as mulheres têm, hoje, uma inserção muito
grande no meio universitário; entretanto, não há uma inserção grande de ideias
feministas na produção de conhecimento. “Precisamos abrir a universidade para os feminismos e não só para
as mulheres. Estudar teóricas feministas, teorias feministas, independente da
disciplina ou professor/professora ser feminista”, disse.
Para Daniele, que falou sobre o papel exercido pela Frente
Feminista Giamarê em Pelotas, a universidade ainda é um espaço muito elitizado
e não contempla a maioria da população. Sobre assistência estudantil dentro da
instituição, Daniela defende que também seja direcionada às mulheres grávidas. “Que políticas que temos para as mulheres? Só acesso à
universidade não basta, temos também que pensar a permanência na perspectiva de
gênero. Atualmente, as mulheres que engravidam na Casa do Estudante são
expulsas”, afirmou.
Mais cidade para as
mulheres
Cássia Cavalheiro, do ArtCidade, tratou da questão entre espaço
público e mulher, elucidando o fato de que as cidades não foram construídas sob
uma perspectiva de gênero, mas sim sob a ótica do capitalismo. Cássia apontou
algumas problemáticas estruturais que afetam as mulheres, entre elas, a questão
da iluminação pública: “a iluminação pública é um grande problema para todos na
cidade. No entanto, ruas escuras e mal iluminadas representam uma ameaça ainda
maior para as mulheres. Muitas vezes é preciso alterar o caminho, passar rápido
por um lugar escuro ou até deixar de circular em algum lugar em determinadas
horas”.
Feminismo lésbico e luta
de classes
A estudante Fernanda Balbinot Falou sobre o papel do feminismo
na luta de classes e como se relaciona com a lesbofobia. Para ela, nesse
sistema patriarcal em que vivemos, a mulher não é vista como um ser completo,
como uma pessoa, mas sim como um objeto que existe para servir aos interesses
do patriarca. “A partir do momento que uma mulher se identifica como lésbica,
ela já está fugindo de um padrão de comportamento de serventia ao patriarcado.
Lutar contra a lesbofobia é lutar pela emancipação da mulher e vice-versa”,
explica. Sobre a luta da classe trabalhadora, Fernanda falou sobre algumas
contradições: “Não é coerente ter opressão dentro da classe trabalhadora sendo
que o que se busca é unidade. Qualquer forma de opressão, machismo, racismo,
homofobia, transfobia ou lesbofobia, não cabe dentro da classe trabalhadora”,
afirmou.
Angélica Freitas relatou a experiência da publicação do seu livro Um útero é do tamanho de um punho: “Para
mim, foi algo natural escrever sobre isso, mas quando esse livro surgiu, e esse
livro tem alguns poemas sobre a mulher lésbica, nasceram alguns questionamentos
quanto ao medo de eu me associar a um tipo de escrita lésbica. Eu achei
estranho. Por que eu teria medo?”. Ainda, explicou que o título do livro é de
uma frase achada em um texto sobre o corpo da mulher. “Achei essa frase que o
útero é do tamanho de um punho fechado. É uma frase de muita força por ser
associada a essa imagem do punho fechado. Quando falei para algumas pessoas
sobre o título do livro, muitas acharam forte demais. E se incomodaram com a
palavra útero. Por quê?”.
Feminismo negro
Segundo Ediane, que falou sobre o papel exercido pela mulher
negra e como ela é vista na sociedade, “vivemos na segunda cidade com a maior
porcentagem de negros no Brasil. Para pensar no papel da mulher negra não basta
apenas pensar no papel da mulher. É preciso pensar em um papel muito mais
profundo e na História, que se reflete na história das mulheres negras hoje em
dia. Ainda temos um reflexo muito grande do período da escravidão. Não há como
falar da mulher sem pensar nas nossas diferenças, que infelizmente existem e
precisam ser enfrentadas e faladas”.
Ediane ressaltou que a mulher negra ainda está nos empregos mais
subalternos. Apesar de muitas políticas públicas contribuírem para que a mulher
tivesse direito a entrar na universidade e conquistar sua independência, isso
ainda é muito pequeno em relação ao número total de mulheres brasileiras.
“Enquanto mulheres brancas ainda estão nas ruas reivindicando salários maiores
e direitos iguais aos dos homens, as mulheres negras ainda estão pedindo para
que o legado da escravatura saia de suas costas. Enquanto algumas estão
reivindicando entrar no mercado de trabalho, a mulher negra pede para parar de
trabalhar um pouco e poder cuidar de seus filhos”, afirmou.
De acordo com Caroline, é importante ressaltar o preconceito que
a mulher negra sofre. “Quando uma mulher negra anda na rua não é só alvo de
machismo, ela é alvo de racismo”, disse. A estudante ainda relatou que até os
15 anos não se aceitava como negra e defendeu que a mulher, além de rever
privilégios, tem que aceitar que muitas outras, não só as mulheres negras,
sofrem muito na sociedade.
Mulheres trans
A estudante Marcia Monks inscreveu sua fala no evento para
abordar a transexualidade. As mulheres trans sofrem com a discriminação de
maneira diferente das mulheres héteros e das lésbicas. No entanto, é fundamental que o movimento feminista aborde a
pauta com mais frequência e debata nos seus espaços de atuação sobre o tema. O
número de mulheres trans na academia é pequeno. “Eu sou a única transexual que
fez cirurgia de troca de sexo em Pelotas e estou dentro da UFPel e o
preconceito é de uma forma velada “, diz Marcia.
A identidade de gênero é como o ser humano se sente. A pessoa pode
nascer homem e, no entanto, se sentir no corpo errado. “Nós nascemos com sexo
biológico diferente do sexo psicológico. Sendo assim, não temos como fazer
cirurgia no cérebro e então temos que fazer uma cirurgia de readequação
sexual”, complementa Marcia. Para fortalecer e tornar mais frequente o debate é preciso unir as
pautas de opressões e ampliar os espaços de discussão. “Eu só peço que vocês
tenham tolerância e aceitem todas as formas de ser porque independente da
sexualidade ou gênero, nós somos mulheres e eu sempre me identifiquei com as
mulheres desde a infância”, complementa Marcia.
Mulheres e o parto
humanizado
Laura Cardoso inseriu o tema da violência obstétrica, um tipo de
violência contra a mulher que, segundo ela, não é ainda uma pauta forte no
movimento feminista. “A violência obstétrica é tão dolorida quanto a violência
doméstica. O que acontece hoje é que o parto virou uma indústria”. Laura também
apontou que muitas mulheres optam pelo parto normal pensando no melhor para
elas e para o bebê e, não raro, esse parto acaba virando um pesadelo: “a mulher
sofre muitas intervenções e ela sai dessa experiência achando que o parto
normal é horrível”. Ainda, lembrou que as mulheres mais pobres são as que
sofrem mais com a violência obstétrica, pois não têm condições financeiras de
optar pelo parto humanizado: “enquanto a gente está discutindo aqui, com
certeza a mulher da periferia vai estar sendo cortada, com uma episiotomia
desnecessária, para que o filho dela venha ao mundo”.
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Assessoria ADUFPel
Foto: Assessoria ADUFPel