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“Nós estamos fazendo um retrocesso para a Velha República”: entrevista com o ex-ministro de Justiça, Eugênio Aragão

 

No dia 24 de março, o subprocurador geral da República e ex-ministro de Justiça, Eugênio Aragão, esteve em Pelotas realizando uma palestra. A atividade ocorreu no auditório do Direito da UFPel. Aragão falou sobre diversos temas, como Reforma da Previdência, as medidas do governo ilegítimo de Michel Temer e as perspectivas para superar a crise política e econômica no Brasil. Antes do evento, que foi promovida pela ASUFPel, o ex-ministro concedeu alguns minutos para conversar com os jornalistas presentes. Confira:

 

Liana Coll (ADUFPel-SSind): Por que é tão difícil o governo admitir que o sistema carcerário não está funcionando desse jeito, nem o sistema de política de drogas?

O sistema carcerário funciona do jeito que querem que ele funcione. Dizer que o nosso direito penal, direito penitenciário, não funciona, é uma ilusão. Ele funciona sim. Funciona para a finalidade a que ele se presta, que é transformar o sistema punitivo em um enorme tanque de decantação de esgoto social. É isso que o brasileiro acha que é o sistema penal. É você pegar o lixo da sociedade e jogar fora. Só que um dia esse tanque vai estourar, vai inundar todo mundo com o seu conteúdo porque o direito penal modernamente trabalha com o conceito de prevenção e não de retribuição. A pena não é para você castigar alguém. A pena é para você evitar que o crime ocorra de novo. Então você tem que fazer alguma coisa de útil com o tempo que você está tirando de uma pessoa, da sua vida, para que quando ela sair daí possa recomeçar a sua vida. Eu não chamo nem de reintegrar porque quem é desintegrada é a sociedade, não é o cara, na maioria das vezes. Então é preciso ele fazer alguma coisa de útil da vida dele, tornar-se novamente uma pessoa normal, com a sua rotina. E isso exige um investimento. É uma grande demagogia se comparar o custo do investimento do preso como custo do investimento de um aluno da rede pública. É claro que o preso é muito mais caro que o aluno da rede pública, porque o preso - se a gente leva a sério a missão penitenciária - é um aluno especial, com necessidades especiais, porque ele é um aluno para reaprender a viver, com muita dificuldade e com um passado todo destruído.  É claro que para você fazer alguma é útil com uma pessoa dessa você gasta muito mais dinheiro do que com uma pessoa que está 0km, que está muito bem, que está em casa, tem pai, tem mãe. Então, é um falso argumento, sim. Trabalhar com o sistema penitenciário é caro em qualquer país do mundo. O que está errado é a banalização, a bagatelização da pena no Brasil. Há juiz que vai simplesmente socando pobres coitados dentro da cadeia sem qualquer tipo de consciência. Não está nem aí, não tem compromisso com o sistema. E aí nós temos, evidentemente, um problema de superlotação. Mas o Brasil - vamos dizer nos últimos 13 anos, nos governos democráticos, antes do golpe - fez bastante coisa na área penitenciária. Nós tínhamos uma proporção de três a quatro presos por vaga e hoje o Brasil tem 1,67 presos por vaga. Significa que nós estamos numa posição muito parecida com a da França, por exemplo, só que há uma má distribuição dessas vagas. Há áreas em que está sobrando vaga e há áreas em que existe a superlotação.  Como nós não temos um sistema nacional de distribuição de vagas penitenciárias, então não tem como você fazer essa gestão. Nós temos um sério problema de gestão do sistema. Nós não temos gestores penitenciários no Brasil e muitos acham que o problema se resolve só construindo mais penitenciárias, o que é uma outra idiotice, uma outra besteira porque nós temos penitenciárias no Brasil que estão vazias, prontinhas para funcionar. Não funciona você sabe por quê? Porque é muito mais caro construir a penitenciária e colocar ela para funcionar. Você tem que fazer concurso público para agente penitenciário; você tem que formar os agentes penitenciários; nomear esses agentes; fazer toda a parte de hotelaria; o que é um custo violento. A segurança é um custo violento. Os estados recebem da União dinheiro para construir uma prisão e constroem, mas não têm dinheiro para colocar ela para funcionar. Então, quando meu sucessor Alexandre Moraes... quando ele ficou dizendo que iria distribuir recursos para construir uma penitenciária, na verdade isso é mais do mesmo. Não é este o problema. Ele mostrou claramente que disso ele não entende nada.

 

Roberto Giovanaz (Diário Popular): O que o senhor acha de ele ser o ministro Supremo Tribunal Federal?

Uma tragédia, mas com tanta tragédia que tem nesse país essa é só mais uma.

 

Roberto Giovanaz (DP): Sobre as reformas que o Michel Temer está propondo para o país, previdenciária, do ensino médio...

Esse governo de Michel Temer é o que nós podemos chamar de uma negociatocracia. Ou seja, é um governo que veio para fazer negócios. Para quem está de fora, são negociatas. Para quem está dentro e está tirando o lucro, é um grande negócio. Então ele veio para fazer um negócio. A Reforma da Previdência só tem um objetivo: destruir a previdência e substituir a previdência pelo serviço dos bancos e dos Fundos. Não podemos esquecer que a previdência tem uma receita anual que supera os R$ 400 bilhões. É muito dinheiro para os bancos, seguradoras e para Fundos. É nesse dinheiro que eles estão de olho, no nosso dinheiro, e eu já estou até antevendo o que esses indivíduos vão fazer. Primeiramente, eles estão dificultando profundamente a obtenção do benefício. Segundo passo, facilitando a migração de quem está no sistema público para um sistema privado. "Você acha que você não vai conseguir se aposentar no sistema público? Por que você não tenta o privado?". Aí muita gente vai desistir, porque no sistema público não vai conseguir se aposentar. O governo vai pegar o que o indivíduo "contribuiu" durante toda sua vida e oferecer a devolver-lhe isso com juros e correção para ele fazer um pecúlio, para ele ir para a iniciativa privada. Você vai tirar dinheiro da iniciativa pública e botar na previdência privada. Com isso, todo sistema se desmancha. Eu, por exemplo, sou um subprocurador-geral da república. Eu contribuo 11% para a previdência. O que eu pago por mês chega a quase R$ 4 mil de previdência. É a minha previdência que sustenta a previdência de muita gente que não tem recurso para sustentar a previdência. O sistema previdenciário público é um sistema solidário, então aquilo que eu entrego para a previdência não é meu, não é que nem um fundo privado. Eu não posso ir lá e dizer assim: "já que eu não vou me aposentar pelo sistema público, então devolva o que eu contribuí. Não, não te devolvo porque isso não é seu". Isso aí é do sistema, é para financiar os mais pobres, então se eu quebrar isso, essa cadeia de solidariedade, quem vai ficar sem aposentadoria é o pobre porque com os meus R$ 4 mil dá de sobra para um programa de aposentadoria antecipada cinco estrelas. Quem vai ficar sem aposentadoria é o pobre, porque eles vão privatizar esses recursos, vão fazer a demagogia de devolver os Fundos para as pessoas e vão quebrar o sistema. O sistema é para ser quebrado. Esse é o programa deste governo.

 

Liana Coll (ADUFPel-SSind): Sobre a terceirização para todos os tipos de atividades, eu gostaria de saber que consequências pode trazer, além da quebra da previdência,  dissolução de algumas leis trabalhistas...

Não conheço nenhum país do mundo que fez o que estamos fazendo. De soltar todas as amarras da Segurança Social e do Trabalho a ponto de ainda um presidente da Câmara, completo desqualificado, dizer que ainda quer acabar com a Justiça do Trabalho. É deixar ao léu o trabalhador, de conquistas que vêm de 1930. Nós estamos fazendo um retrocesso para a Velha República. Nós estamos assumindo a nossa característica de sociedade escravocrata em todos os seus aspectos. Nós estamos voltando à escravocracia. As pessoas não vão ter direito a férias, não vão ter direito a FGTS, não vão ter direito a aviso prévio, não vão ter direito a absolutamente nada, porque elas vão ficar pulando de galho em galho, de contrato de três meses em contrato de três meses. Cada vez para outra prestadora de serviço, para não dizer que aquilo é uma fraude. Acabaram os direitos trabalhistas. Quem quiser ter um trabalho desista de férias, desista de 13º, desista de aviso prévio. É isso que está acontecendo. Não interessa se o sujeito é de direita ou de esquerda. Nessa hora, as pessoas têm que começar a pensar na sua sobrevivência. Simplesmente você transformou o ser humano numa mercadoria. Em vez de ser o consumidor, nós somos consumidos. Esse é o problema. É uma tragédia com repercussões profundas em toda a cadeia de solidariedade da sociedade. A destruição do nosso tecido social.

 

Roberto Giovanaz (DP): Recentemente o senhor teve uma entrevista censurada. Também queria que você falasse um pouquinho sobre a questão da espetacularização da Justiça.

 

Sobre esse assunto, especificamente, eu não quero falar sobre essa censura porque eu vou me defender no processo. Então, eu acho que já que foi levado a este foro, é neste foro que eu vou falar e eu não quero misturar as coisas. Se os outros quiserem falar sobre isso, que falem, mas não esperem que eu transforme um litígio judicial em um espetáculo, já que eu sempre fui contra transformar a Justiça em espetáculo. Já que a questão é para ser tratada na Justiça, vamos tratar isso profissionalmente na Justiça, e eu espero da magistrada que vai conduzir o processo que também haja de forma absolutamente profissional, imparcial e isenta. Aí eu vou ter condições de falar. Para mim, isso faz parte de toda uma engrenagem corporativa que está tomando conta do Brasil.

 

Assessoria ADUFPel


Foto: Assessoria ADUFPel

 

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