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Notícia

O ônus da contrarreforma da previdência: entrevista com José Miguel Saldanha

Já foi anunciado pelo governo de Michel Temer: a próxima redução de direitos passará pela contrarreforma da previdência. Já foi enviado ao Congresso Nacional o projeto que tornará mais difícil ainda a aposentadoria. Aumento da idade mínima e proventos mais magros estão contidos nesse pacote. Para falar sobre o assunto, entrevistamos o professor da Escola Politécnica da UFRJ e membro do GT de Seguridade Social do Andes-SN, José Miguel Bendrao Saldanha. Na última edição de 2016 do jornal Voz Docente, publicamos a entrevista de forma resumida. A versão na íntegra pode ser conferida abaixo:

 

Voz Docente (VD): Quais as principais mudanças que virão com a Reforma da Previdência?

José Miguel (JM): A PEC 287/2016, do governo Temer, é a terceira e mais aguda fase de uma contrarreforma da previdência social iniciada após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e cujas duas primeiras fases consistiram nas emendas 20/1998 (governo Cardoso) e 41/2003 (governo Lula da Silva) e suas regulamentações. Chamo-a "contrarreforma" (poderia ser também "demolição") porque não há sentido em dar o nome de "reforma", termo popularmente positivo, a um conjunto de medidas que, sem exceção, empobrecem os trabalhadores em favor do capital. A medida sintética deste empobrecimento pode ser dada pelo valor que o governo apregoa ser a "economia" trazida pela "reforma": R$ 738 bilhões em 10 anos! Esta enorme massa de recursos será retirada dos trabalhadores, não para ser-lhes devolvida na forma de mais e melhores serviços públicos, mas sim para pagar juros aos detentores da dívida pública e para engordar os investimentos na "previdência" privada.

Para alcançar esse objetivo, o ônus será "distribuído" (pelos trabalhadores): para os homens abaixo de 50 anos de idade e as mulheres abaixo de 45, os valores das aposentadorias ficarão menores, os das pensões ficarão muito menores e elas não poderão ser acumuladas com outras pensões ou aposentadorias. Todos, servidores públicos ou não, terão de trabalhar mais tempo para terem direito à aposentadoria (e mais ainda se quiserem diminuir a perda do valor da aposentadoria). As mulheres estarão sujeitas às mesmas regras dos homens (a exposição de motivos da PEC não tem vergonha de chamar isto de "igualdade de gênero"). Acaba a aposentadoria especial dos professores e das demais categorias, com exceção das pessoas com deficiência e cujo trabalho "efetivamente" prejudique a saúde. Os trabalhadores rurais passarão a cumprir quase as mesmas exigências que os urbanos. O benefício de prestação continuada, importantíssimo recurso assistencial no valor de um salário mínimo recebido atualmente por pessoas de baixa renda acima de 65 anos de idade, só será concedido após os 70 anos e o seu valor deixará de acompanhar o salário mínimo (para "não gerar incentivos inadequados ... à migração do sistema previdenciário ... para o assistencial", conforme a exposição de motivos!).

Além disso, os estados e municípios serão obrigados a aplicar o teto de benefícios do regime geral aos seus aposentados e pensionistas e a privatizar parte dos seus regimes próprios, pela instituição de um regime de "previdência" complementar. A União já fez isso, com a Funpresp, em 2013. Antes de 1998, isto não era permitido. A emenda 20/1998 autorizou (sem obrigar) esta medida, mas exigia uma lei complementar para a sua efetivação. A emenda 41/2003 baixou a exigência para uma lei ordinária, mas manteve-a facultativa. Agora será obrigatória! Esta mudança interessa diretamente ao mercado financeiro, pelo montante de recursos que para lá serão carreados.

Para os homens acima de 50 anos e as mulheres acima de 45 anos, a PEC prevê regras de transição para várias situações (servidores, professores, policiais, trabalhadores rurais), que não dá para detalhar aqui. A mais importante é a do "pedágio", um tempo adicional de contribuição igual a metade do tempo que faltaria à pessoa para atingir o tempo de contribuição necessário na data da promulgação da emenda.

 

VD: Vista como uma proposta dura pelo próprio Planalto, ela poderá sofrer modificações até ser sancionada. Há como prever quais serão as alterações e se de alguma maneira amenizariam esse teor tão grave?

JM: O melhor seria simplesmente a rejeição integral da PEC, mas só conseguiremos isso, ou qualquer alteração, por menor que seja, se a mobilização dos trabalhadores for capaz de superar a péssima correlação de forças presente no Congresso Nacional. E uma vez que algumas medidas atingem de forma distinta as várias categorias de trabalhadores, será importante concentrar esforços nos pontos que unem a classe. Se for o caso de avaliar quais são as piores mudanças trazidas pela PEC, julgo mais importante lutar pela preservação dos valores e dos reajustes dos benefícios do que pelos requisitos (idade e tempo de contribuição mínimos) para aposentar-se. Parece-me aceitável debater o aumento da idade e do tempo de serviço mínimos num contexto de ampliação da expectativa de vida humana, mas não vejo argumento a favor de aposentar-se facilmente com um provento de aposentadoria pífio, coisa que só interessa aos vendedores de "previdência" complementar privada.

 

VD: As pessoas que estão prestes a se aposentar ou se aposentarão dentro de um ou dois anos serão afetadas de que maneira pela Reforma? Elas serão incluídas nas novas regras?

JM: Com exceção das pessoas que cumpram todos os requisitos atuais para aposentar-se quando a PEC for aprovada, todos serão afetados. Quem se enquadrar na regras de transição (homens acima de 50 e mulheres acima de 45) será tanto mais afetado quanto mais tempo faltar para cumprir o requisito do tempo de contribuição, porque o tempo que faltava será acrescido da metade. Se faltarem dois anos, por exemplo, a pessoa terá de trabalhar três.

 

VD: Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que há 44 milhões de brasileiros trabalhando informalmente, o que é uma barreira para a contribuição. Essa Reforma não segue uma lógica de exclusão social, atingindo a camada mais pobre da população?

JM: A emenda 20/1998 substituiu, para os trabalhadores urbanos, o conceito de tempo de trabalho pelo de tempo de contribuição, quer dizer, antes bastava o trabalhador provar que tinha trabalhado para ter direito aos benefícios da previdência, depois isto passou a depender de a contribuição à previdência relativa a esse tempo de trabalho ter sido feita em seu nome. Os trabalhadores rurais continuaram precisando apenas demonstrar o tempo de trabalho, mas agora serão enquadrados nas mesmas exigências dos trabalhadores urbanos.

Há ainda prejuízo direto aos mais pobres devido à diminuição do valor real do benefício de prestação continuada e à maior dificuldade para obtê-lo. O governo alega que isso "estimulará" a formalização, como se esta fosse uma escolha do trabalhador!

 

VD: Que alternativas tu verias para que o regime de previdência fosse satisfatório?

JM: Isso dependeria, claro, do padrão de vida atingido pelo país com um todo, da dinâmica demográfica, das condições econômicas concretas etc. Na situação atual, julgo que os pressupostos para um Regime Único de Previdência Social aprovados no 22º Congresso do Andes-SN (Teresina, 2003) permanecem válidos, em especial: a incorporação de todos os trabalhadores ao regime;  a aposentadoria integral, limitada a um teto igual ao maior salário do serviço público; a paridade de proventos entre trabalhadores ativos e aposentados (ou reajustes dos benefícios de acordo com o índice geral de salários); tempo de trabalho (em vez de tempo de contribuição) como critério para concessão dos benefícios, e custeio pelo regime de repartição, coberto pelas contribuições dos trabalhadores e seus empregadores, e pela receita de impostos e contribuições, especialmente as incidentes sobre ganhos de capital.

 

VD: Podes nos explicar por que o governo fala em déficit na previdência e por que esse argumento é falacioso?

JM: Este ponto é fundamental, porque o alegado déficit é o principal argumento que defende esta brutal retirada de direitos e é, de fato, falacioso. O resultado (déficit ou superávit) depende das receitas e despesas incluídas na conta e o governo faz uma seleção arbitrária para encontrar um déficit (chamado de "rombo" para chocar mais), tratando como receitas apenas as contribuições previdenciárias dos empregadores e dos empregados e pondo nas despesas todos os benefícios pagos, nos setores urbano e rural. Há várias maneiras de fazer as contas que chegam a resultados diferentes. Por exemplo, se a conta for feita para toda a seguridade social, como determina a Constituição, entram do lado das receitas a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e outras receitas legalmente destinadas ao financiamento da seguridade, e do lado das despesas os gastos com saúde e assistência, produzindo superávit (R$ 11,2 bi em 2015). Estas contribuições foram criadas para custear a seguridade (CSLL: Lei 7689/88; COFINS: Lei Complementar 70/91), mas esse superávit tem sido usado para o pagamento de juros da dívida pública! Outra maneira: se ficarmos apenas no âmbito da previdência, mas separarmos as contas dos setores urbano e rural, encontraremos superávit no urbano (R$ 42,2 bi em 2015) e déficit no rural (R$ 77,4 bi em 2015), coerentemente com o fato de os benefícios no setor rural terem um caráter assistencial e não contributivo. Observe-se ainda que estes valores seriam muito mais favoráveis (como foram nos anos anteriores) se a crise recessiva pela qual passamos desde 2014 não tivesse feito despencar as receitas do governo, inclusive as previdenciárias, que dependem do nível de formalização dos contratos de trabalho. A crise não impediu, todavia, que se continuassem pagando os juros mais altos do planeta para os detentores de títulos da dívida pública: R$ 501,8 bilhões em 2015. Não foi o "déficit" da previdência que criou a dívida. Ao contrário, as verbas da seguridade têm ajudado a pagar os seus juros!

 

Assessoria ADUFPel

Foto: Arquivo pessoal do professor

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