O rap é compromisso
O rap é um estilo musical de caráter
político e historicamente faz denúncias sobre a marginalização de classe,
racial e gênero. A resistência de rappers vai além da aceitação da sociedade
pelo estilo musical. Os espaços de atuação são muito restritos e, dentro da
cultura do rap, é preciso superar o machismo presente nas letras e na falta de
espaço e voz para as rimas femininas e feministas. Confira abaixo a entrevista
feita com Flavinha Manda Rima e Garcez DL.
A
mulher no rap: entrevista com Flavinha Manda Rima
Flavinha Manda Rima é uma rapper que
nasceu em Viamão, morou em Santa Maria, onde teve grande atuação e hoje mora em
São José (SC). Em entrevista à ADUFPel, Flavinha fala sobre a relação entre o
rap e a mulher e o combate ao machismo nesse espaço político de atuação dela e
de muitas mulheres no mundo inteiro.
Qual
a atuação da mulher no rap?
Depende. Se você for falar da música
rap, por exemplo, a atuação das mulheres era bem mais restrita no início,
embora desde os anos 80 já existisse no Brasil mulheres produzindo a música rap
(a Sharylaine foi a primeira mulher a gravar um rap no brasil, em 1986). A
atuação de compor, cantar e produzir sempre foi mais rara e vem se
intensificando a cada dia, crescendo cada vez mais. Já no hip hop enquanto um
movimento organizado, sempre existiram organizações que pautavam a atuação da
mulher. Mulheres protagonistas de seu tempo que fizeram a diferença seja como
produtoras, ativistas, cantoras e participantes em geral, muito embora não
fossem reconhecidas - há discos de rap do fim dos anos 90 e inícios de 00 com
diversas participações femininas cujo nome da artista não é nem citado. Posso
dizer que há atualmente mulheres em todos os espaços. Por exemplo, em Blumenau (SC),
o grupo Palavra Feminina é uma grande referência, tanto para a cena rap local
como para o rap catarinense em geral e esse grupo existe há pelo menos 13 anos.
Em Porto Alegre, existe um evento chamado Batalha do Mercado, de grande
relevância para o rap atualmente e este evento é produzido por uma jovem
mulher, a Aretha Ramos, de apenas 22 anos. Creio que as mulheres vêm
construindo a sua ação no rap da mesma maneira que as mulheres constroem a sua
ação na sociedade em geral: com muita luta e superação, principalmente a auto
superação.
O
cenário do rap ainda é machista?
O rap está dentro de um contexto sócio
histórico e cultural, dentro de uma sociedade, e essa sociedade é machista,
patriarcal, excludente. O rap não é o movimento dos machistas, mas seria
ingênuo esperar que em uma sociedade desigual, onde o lucro determina tudo, o
que é educação, o que é comunicação, etc, que o rap fosse transcender o
machismo facilmente. São 500 anos de Brasil e 40 anos de rap no país, uma nação
que tem uma história marcada pela corrupção e violação de direitos. A violação
de direitos está em tudo: na escola, na comunicação, ela está
institucionalizada. Como então dizer que o rap, por definição, é um movimento
machista, se a maioria das pessoas ainda nem entendem o conceito de machismo,
feminismo e direitos humanos? Hoje, através das redes sociais, aprofundaram-se
os debates de gênero, sem dúvida. Mas a desigualdade não diminuiu na mesma
proporção, o acesso à informação não significa, necessariamente, a busca pelo
conhecimento. Afirmo categoricamente que só o conhecimento liberta. E buscar
por ele é pessoal e incansável e ele é construído na prática, vivenciado,
sentido e superado. E isso acontece a cada minuto e assim se transforma o
mundo.
Quais
os passos que tu vês como necessário para demarcar o espaço da mulher em
espaços que são, tradicionalmente, ocupado por homens?
As mulheres do hip hop têm que construir
seus espaços, isso é no mínimo justo, pois nada mudará se não nos reconhecermos
e não demarcarmos com a sociedade os direitos que nos foram negados. Nada
impede a mulher de frequentar e trabalhar em outros espaços, que não apenas os
espaços de que promovam o protagonismo delas. O ideal, acredito, é fazer ambas
as coisas.
O
cenário do rap pelotense: entrevista com Garcez DL
Garcez Dirty Lion é um rapper pelotense
que fala, nessa entrevista, sobre a atuação do rap pelotense, a marginalização
do estilo e o papel político representado pelo rap e hip hop.
Quais
os espaços de atuação que têm os rappers em Pelotas?
Não
há casas noturnas em Pelotas para tocar, mas a galera sempre tenta adentrar
novos espaços. Fora isso, os rappers pelotenses atuam em eventos sociais e
palcos na rua, geralmente em espaços públicos.
O papel de denúncia social é uma característica inerente ao rap?
Pra mim sim, eu vim dessa vertente. E
acredito que não só o rap, a música em si sempre falou muita coisa, mas nos
dias de hoje está mercantilizada e pra mim se tornou até mesmo artificial, pois
reproduz muito o que a grande mídia fala. Mesmo o rap tendo surgido disso,
muitos vão contra a origem dele acreditando que é a evolução dele, mas a
questão é que a evolução também pode ser algo negativo não é? Mas no final das
contas a parada é respeitar a escolha de cada um, até porque prefiro promover o
que acho válido do que fazer o papel do opressor e ficar apontando dedo pros
outros e criticando.
A cultura do rap ainda é marginalizada? Se sim, o que leva a essa realidade?
Sim, porque vivermos nas margens da
sociedade, pela linguagem, pelas roupas e tudo mais que permeia essa cultura.
Sem falar que ela contesta o sistema e a grande mídia. Então, por ser contracorrente,
acaba sendo marginalizada. Até porque mostra as consequências dessa sociedade,
que muitas vezes é violenta por conta do descaso e injustiças sociais.
Há alternativas de produção musical que não esteja incluída na lógica do
mercado?
Acredito que com a internet e tudo o que
temos acesso hoje é possível criar o próprio mercado. Tem os atalhos, que na
verdade pra mim não constroem uma base sólida e são coisas passageiras. Mas tem
o trabalho de formiguinha que é pra vida toda e acho que música é construção. É
possível dizer não para a grande mídia privada e usar mídias alternativas,
criar teus produtos, como CD e camiseta, e girar o teu mercado sem depender
deles. Sem falar que entre o rap mesmo é possível fazer microeconomia e girar a
grana entre a galera da própria cena para se ajudar até mesmo divulgar. E o
caminho de tudo isso é a auto gestão. Temos a vida toda para fazer acontecer, é
difícil, mas estar vivo é resistir.
* parte da entrevista foi publicada no Jornal Voz Docente 3/2015, que pode ser acessado aqui.
Assessoria ADUFPel