Patrimônio público será vendido à iniciativa privada no RS
A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou, na noite de ontem
(2), os Projetos de Lei (PL) do governo de Eduardo Leite (PSDB) que autorizam a
privatização de três estatais. Por ampla maioria, está permitida a venda da
Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Companhia Riograndense de
Mineração (CRM) e da Companhia de Gás do Estado do RS (Sulgás). A aprovação
aconteceu dois meses depois do governo de Leite emplacar a proposta de retirada da
exigência de consulta popular para privatizar as empresas.
Com a aprovação do PL 263/2019 (privatização da CEEE), do PL 264/2019
(privatização da CRM) e do PL 265/2019 (privatização da Sulgás), o futuro de
3.764 servidores é incerto. A forma como as estatais serão privatizadas e o que
será feito com os recursos da venda também não está definido. A oposição,
durante a discussão no plenário, criticou a ausência de detalhamentos nos PL, o
que significa que agora só cabe ao Poder Executivo decidir os encaminhamentos.
População é ignorada no debate
Até maio deste ano, a Constituição do RS previa a realização de
plebiscito para a privatização de estatais. Entendendo-a como empecilho para a
venda das empresas, o governo estadual enviou à Assembleia Legislativa a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 272/2019. A PEC, que propunha a
retirada do plebiscito para as privatizações, foi aprovada nos dois turnos na
Casa, acelerando a proposta de venda das empresas à iniciativa privada.
Com o argumento de que em casos complexos cabe a decisão apenas aos
“homens públicos”, o governador aplicou à gestão uma concepção limitada de
democracia, segundo a qual o exercício democrático se restringe ao momento do
voto. No governo de Leite, que já defendia uma visão privatista desde a
campanha eleitoral, a participação tem se resumido à inserção do empresariado
nas decisões, e a participação popular é coibida.
Consequências das privatizações
O governo do RS estima que as privatizações serão concretizadas em cerca
de um ano e meio. Ao fim deste período, as vendas poderão ocasionar o
desemprego do quadro de funcionários das empresas. Mesmo que os futuros donos
da CEEE, da CRM e da Sulgás mantenham alguns trabalhadores/as que já vinham
atuando nestas companhias, é comum que o setor privado enxugue o pessoal.
Segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE), em análise das implicações das privatizações
ocorridas entre 1994 e 1997, só no setor elétrico houve perda de 50 mil
empregos diretos.
As empresas de caráter público costumam também ter um maior
comprometimento com as necessidades da população. Um exemplo relacionado ao
setor elétrico é que, em municípios atendidos pela iniciativa privada,
geralmente não há agências de atendimento ao consumidor, conforme o Sindicato
dos Eletricitários do RS (Senergisul). Ou as têm de forma inadequada. A RGE,
uma das empresas resultantes da privatização de parte da CEEE realizada pelo governo
Antonio Britto (MDB), no fim dos anos 1990, é alvo de constantes reclamações
por parte dos usuários. Em Montenegro, por exemplo, o atendimento é feito
dentro de uma empresa de materiais elétricos, com apenas uma funcionária.
As privatizações, além disso, significam a entrega do patrimônio da
sociedade e do estado do RS para o setor privado. “O que querem é transformar o
bem público que atende às demandas da classe trabalhadora numa empresa
destinada a gerar lucros para um pequeno grupo imbricado com a classe
política”, aponta Robinson Pinheiro, diretor da ADUFPel-SSind. Em 2017, a
Sulgás obteve um lucro líquido de R$73 milhões, receita que, com a venda da
empresa, será exclusivamente dos empresários que a adquirirem. As desonerações
fiscais para as empresas privadas também trazem prejuízos para o estado.
Ainda numa situação financeira complexa, como é o caso da CEEE, a
privatização é perigosa para o RS, uma vez que os passivos costumeiramente não
são passados para empresa compradora, e sim arcados pelo estado. Segundo o
Senergisul, a CEEE-GT, neste ano, está com saldo superavitário, o que demonstra
que vem se recuperando financeiramente. Outro ponto lembrado pela entidade é
que a Companhia possui uma ação de compensação movida contra a União, que já
está em fase final e deve trazer cerca de R$8 bilhões para a empresa.
No caso da CRM, o caso da mineradora Vale expõe os riscos da
privatização no setor minerário. Vendida pela gestão de Fernando Henrique
Cardoso (PSDB) em 1997, a Vale, numa busca desenfreada por aumento de lucros da
empresa, conjugada à falta de compromisso social e ambiental, recentemente foi
responsável por dois crimes de proporções enormes: o caso de Mariana (MG) e de
Brumadinho (MG). Em ambas as situações, o rompimento de barragens de rejeitos
causou centenas de mortes, além da degradação ambiental que se alastra para
outros estados. A exploração dos lucros acima do controle e do compromisso
social, nesse sentido, é uma das preocupações na privatização da RGM, lembrando
que nos últimos anos diversas mineradoras demonstram interesses para a
exploração mineral no RS e vêm enfrentando
resistência de comunidades pesqueiras e de pequenos agricultores.
Poder Executivo estadual e federal alinhados
Uma das justificativas do governador para a privatização das estatais é
a exigência dessa medida, por parte do governo federal, para que o RS possa
aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). As negociações entre as partes
seguem ocorrendo, e o governo do estado avalia que as medidas privatistas
alavanquem a entrada no RRF. A aprovação da venda das três estatais é a última
ação imposta pelo governo federal para que isso aconteça. Com o RRF, o governo
do RS poderá postergar a dívida com a União.
Eduardo Leite também vem dialogando de maneira próxima à gestão de Jair
Bolsonaro (PSL) no tocante à Contrarreforma da Previdência (PEC 6/2019). Junto
a outros governadores, Leite busca que a proposta abarque o nível estadual. Na
visão do governador, a PEC, que ataca os direitos previdenciários e
assistenciais de trabalhadores/as, é outra medida necessária para o ajuste
fical. Dessa forma, alinhada ao governo federal, a gestão do governo do RS
segue na mesma perspectiva de cortar direitos da população em nome do controle
de gastos e acabar com qualquer tentativa de participação social nas decisões
de impacto público.
A ADUFPel-SSind repudia a aprovação das privatizações. “Todo apoio e
solidariedade aos funcionários aos funcionários dessas empresas. Sabe-se que
esse projeto de privatização é uma afronta à classe trabalhadora, e isso está
alinhavado com as perspectivas da administração da esfera federal, com os
contínuos ataques neoliberais do governo Bolsonaro”, afirma o diretor Robinson
Pinheiro.